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Mostrando postagens de novembro, 2021

A viagem

Foto: Arquivo Pessoal Ele despertou devagar, sentindo-se um pouco atordoado, sem noção de hora, nem dia, nem lugar. Parecia que havia dormido uma medida de tempo totalmente indefinida. Abriu os olhos aos poucos e a visão foi aclarando. Havia luz natural de um dia de sol, que chegava de uma janela com uma fina cortina branca e transparente que tremulava por conta de suave brisa que vinha de fora. Estava deitado numa cama estreita e macia e os lençóis brancos cheiravam algo semelhante a alfazema. Olhou para si mesmo e viu seu corpo, mãos, tronco, braços, pernas, sua musculatura era de jovem, forte como quando tinha trinta, quarenta e até aos cinquenta anos. Sem demora, passou a mão pelo rosto e sentiu a pele sadia, totalmente hígida e íntegra, com um pouco de barba crescida. Nem rastro daquela ferida enorme que tinha na mandíbula e nenhum desconforto físico. Se sentia inteiro, só ligeiramente aturdido e muito confuso. Tentou levantar-se, mas sentiu uma leve tontura, deitou-se de novo

11 de novembro de 2021

  Era 11 de outubro, J. me escreveu em seu último caderno em letras grandes na sua costumeira mistura de português, galego e espanhol quando se dirigia a mim: —Hoje estou fazendo 63 anos e 11 meses.  Li, concordei com a cabeça, pensando comigo se ele contava como uma conquista ou já fazia uma contagem regressiva. Nunca vou saber, não me cabia perguntar. As duas opções já me pareciam absolutamente sem sentido. Hoje é 11 de novembro e já se vão vinte dias de sua partida, quando completaria 64 anos, mas  mantinha a cabeça de um jovem audaz, aventureiro, inteligente, curioso e louco pela vida se essa impiedosa enfermidade não o tivesse pego de jeito e colocado nossas vidas no meio de um turbilhão. Por mais que eu tente, não sou capaz de conceber o que passa na cabeça de uma pessoa que conviveu com tanto sofrimento físico vendo a transformação de seu corpo vigoroso e saudável em uma frágil vida. Aceitação, renúncia, entrega, rendição? Afinal a dor e os padecimentos têm poder, fazem o corpo

Quando veio a chuva

Imagem: Unplash.com  E u costumava conversar apenas com a lua, depois que conheci você comecei a conversar com as estrelas. Quando você se foi passou a ser inevitável entregar minhas confissões à chuva. A chuva selou nosso relacionamento do início ao fim. Lembro do nosso último beijo, de parar algumas ruas antes de casa e você me pedindo com um brilho de esperança no olhar "uma palavra" um sorriso triste, de nós dois. U ma palavra e você voltaria pra mim, apenas uma. E eu não a disse. Está chovendo agora. Sua voz ecoa em mim a cada gota que cai e eu volto no tempo, revivo aquele momento, desfaço o nosso final e refaço o nosso abraço e cada beijo se torna sem fim. O milésimo de segundo antes que a gota chegue ao chão passa a ser infinito. Eu não posso perder aquilo, não mais uma vez. Mas, o momento sempre acaba. Quando eu volto à realidade e encaro o céu, a tempestade já não é mais do lado de fora. Antes, eu sorria com a chuva me lembrando de você Hoje, cada gota me faz ch