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A Pátria Educadora Desce a Ladeira

Indescritível a sensação de impotência quando assisti a votação da aceitação do impeachment da Presidenta Dilma Roussef pela Câmara dos Deputados no dia 17 de abril de 2016, indescritível a sensação de ver tanta pequenez, tacanhice e vilezas condensadas  no meio daquela gente que ironicamente representava o povo brasileiro. Pensei que não veria nada pior, pois vi e o que vi me chocou ainda mais que a ordinária sessão, nas suas várias acepções da palavra ordinário.

Vi a Pátria Educadora descendo a ladeira, quando soube que o Ministro da Educação recebeu em seus primeiros dias de interinidade não um pedagogo ou alguma celebridade no vasto elenco de intelectuais, professores e pedagogos brasileiros. Não, quem foi recebido foi um ator de quinta categoria, para dizer o mínimo de sua biografia, que segundo consta, foi levar propostas para a educação brasileira. Aqui já não consigo escrever educação com E maiúsculo. Tal audiência foi amplamente divulgada nas redes sociais e recebida incredulamente por muitos. Incluía selfies e vídeos nas páginas dos envolvidos o que gerou, a meu ver, muita piada e pouca indignação. Nessas horas, creio que o espírito brincalhão do brasileiro se sobrepõe e  que para abafar a repulsa e o choro, rimos muito feito pequenos idiotas. Eu também, por momentos ri e me pergunto agora de onde vem esse poder que nos fez descer tão baixo?

Não sou professora ou trabalhadora em educação, porque se fosse me sentiria potencialmente mais rebaixada, maltratada, desprezada, aviltada e humilhada do que já me sinto como brasileira. Voltamos à idade das trevas. A ignorância aliada à astúcia, embasadas em tudo do mais arcaico e primitivo, pretendem governar o Brasil com a conivência e o aplauso de muitos que diziam preferir qualquer coisa a ter Dilma ou o PT governando, vale dizer que foram eleitos legitimamente em 2014.

Pois sinto dizer, seus sonhos tornaram-se realidade, a Qualquer Coisa chegou e vai desmantelar anos e anos de conquistas democráticas. A Qualquer Coisa vai disseminar-se por todos os ministérios. Na área da Saúde, já fui testemunha de vários avanços e retrocessos, mas o que pode vir já está se configura o maior desmonte da história.

Mas o que me levou a escrever foi sobre Educação  e aqui uso de novo a letra maiúscula.
A rede social é  hoje em dia o meio mais democrático e participativo que já houve no mundo, ao menos até prova em contrário. Vejo, leio e comento centenas de postagens, memes, montagens, comentários etc. Tudo muito válido, porque dissemina a troca de informação e pode formar opiniões saudáveis. Outros momentos,  leio discussões tão vazias e absurdas, que a rede me parece uma grande turma de crianças de cinco anos esperando na porta da sala de aula, fazendo birra uns com os outros. Imagino crianças pequenas  tapeando-se, puxando-se as roupas e choramingando. Então, me pergunto, onde ficou a Educação no meio desse caminho? De um lado, a criação de dezenas de Universidades, centenas e milhares de diplomados, mestrandos e doutorandos, de outro vemos o ódio e o escárnio ao saber, aos grandes pensadores, aos filósofos, ao ensino, ao professor, ao artista, à cultura, às artes e à música.

Os poderes  Executivo, Legislativo e Judiciário, enquanto isso estão blindados em suas fortalezas legitimadas e podres. Estão vivendo em seu mundo de faz-de-conta fortemente apoiados pelos interesses das grandes mídias, que sempre trataram de colocar a venda nos olhos da população, corporações e grupos que tratam somente de ganhar mais dinheiro à custa da riqueza do país e do trabalho do povo. Isso me lembra de algo chamado feudalismo. O que mais ainda está por vir depois da consumação do golpe? Só nos resta esperar pacientemente por 2018? Vai sobrar pedra sobre pedra?
                                           
  Maio 2016





                                                                                                       

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