Queria escrever no teu caderno. Naquele que resgatei, antes de ser largado no lixo. Fiz isso talvez, digo talvez, por uma súbita intuição de desfecho.
Queria ler e juntar teus pensamentos com os meus, misturando as letras e os manuscritos. Queria poder juntar nossas inspirações, talvez criar um romance, um conto, uma narrativa breve que seja, mesmo que tenhamos estilos diferentes e tua criatividade vá muito além da linguagem e do meu amadorismo.
Queria misturar nossos traços, rascunhos, já quase ilegíveis, formados numa infância onde se fazia caligrafia— isso já faz tanto tempo!—até produzir um texto ao menos coerente e coeso como mandam as leis da escrita. Ou não, pois ainda busco a licença poética dos artistas, que têm liberdade com as palavras, ao contrário das palavras ditas que podem ser a nossa desgraça.
Eu precisava do caderno, não para descobrir teus segredos, mas para ter o privilégio de escrever de meu punho, junto ao teu, naquelas folhas amarradas em espiral com uma capa que lembra sempre que a Arte Salva.
Mas agora só resta mesmo a materialidade de um caderno. Tuas mãos, tuas canetas e tuas ideias estão longe dele e de mim e pouco ou nada ficou a salvo—dúvida cruel— a não ser nas memórias das conversas, dos risos, do aconchego, do prazer e nas imagens digitais. Memórias em geral são tristes e doloridas na mesma proporção da felicidade concreta. Mesmo assim, são necessárias, pois compõem a jornada da vida, que alterna amargos e doces períodos, como bem escreveu Cervantes há séculos.
Esse encontro de escrever seria lindo, mas a nossa brevidade impediu a escrita de uma longa história. As páginas que estavam em branco continuarão em branco, a não ser por uma pequena tentativa de intertextualidade com uma única reflexão pessoal tua em meio à anotações científicas. Ao menos, meu manuscrito ficará ali, perto do teu e a capa colorida da coleção de casarios para sempre, recordando a arte, o artista e a minha estupidez.
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