Tempos atrás lia uma postagem em rede social sobre maus tratos aos cavalos que puxam carroças dentro das cidades. Chamou-me atenção um comentário de uma jovem que transcrevo aqui:
—“Essa gente—referindo-se aos carroceiros—nem devia ter cavalo só pra começar, cavalo é um bicho pra quem tem bastante dinheiro, é pra cavalgar e não pra enfiar em uma carroça com uns imbecis em cima cheio de tralha.”
Respondi ao comentário nesses termos:
—C., eu não concordo com maus tratos, mas esses “imbecis” que tu chamas são gente muito pobre, em sua maioria catadores de lixo e a “tralha” que carregam pode lhes dar um mínimo de sustento. O mau-trato humano está aí bem escancarado no conjunto carroça-cavalo-carroceiro.
A menina me contesta :
—“Pra mim não muda o fato de serem imbecis, até porque vejo muitos catadores de lixo de manhã cedo no caminho pro colégio e eles usam um carrinho que eles mesmo puxam.”
Ou seja, no pouco discernimento e total falta de empatia dessa menina, não basta ser pobre. Tem que ser pobre e passar muito sacrifício carregando nas costas seus carrinhos com o seu ganha-pão. Bem, não posso dizer que ela não tenha empatia, tem ...mas só pelos animais.
Sim, é certo, cavalos são feitos para cavalgar, mas através dos tempos também foram usados para o trabalho no campo, nas guerras, como meio de transporte de pessoas e de cargas. O mundo evoluiu e o cavalo foi domesticado, assim como cães e gatos. Em nossos dias não é aceitável maltratar, condena-se e pune-se a violência contra animais. É lei.
Mas por que essa falta de empatia pelo ser humano? Maltratar pessoas é normal e permitido?
Por que a repulsa, a indiferença, o desprezo, o afastamento quando se trata de pessoas que não têm teto, não têm emprego, não têm educação, não têm dinheiro, não têm família, não têm nada?
Pobre menina onde a visão de classe, de patrimônio e de meritocracia já estão impregnadas tão cedo como verdades absolutas e para quem a exclusão social segue tão invisível, incontestável e, segundo ela carregando suas próprias culpas.
Pobre menina que vê a desigualdade como algo que simplesmente faz parte da paisagem, como bem escreveu Norberto Bobbio.
Janeiro 2017
Essa semana lembrei dessa minha postagem do ano passado ao ver a mesma foto na página de uma amiga de adolescência. E para minha surpresa , como a menina que comento no texto minha amiga só tinha empatia pelos cavalos. Tive vontade de perguntar se ela não via que haviam seres humanos, meninos na foto e que o maltrato humano e animal estavam ali esboçados.
ResponderExcluirTriste saber que para minha conhecida( não chamo mais de amiga) a pobreza segue sendo invisível.