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Sobre a nossa brasileira negação sul- americana por Vitor Hugo Primola





Meninos peruanos: Google Images


Sobre a relação dos brasileiros e seus vizinhos sul-americanos, um comentário lúcido de um amigo em conversas facebookianas:

"Não é inacreditável isso? Mas será mesmo que isso se dá naturalmente? Você fala na "falta de visão" da irmandade entre os povos. Concordo. Mas você também sabe que o brasileiro, na prática, recebe de braços abertos e consegue conviver em plena harmonia com qualquer povo, de qualquer etnia, religião, etc. Mais do que a maioria dos povos de outros países conseguem. 

Talvez não tenhamos o discurso, mas na prática nos irmanamos com uma fluidez impressionante. Na minha modesta opinião vejo a nós brasileiros quase que como crianças, sabia? E isso não é um lenga-lenga folclórico, não. Estamos sendo "mantidos" assim ao longo dos séculos. Nunca tivemos guerra civil, só "revoltas". A maior parte das conquistas civis nos foram "concedidas" e não conquistadas com sangue e morte. Analfabetos em política que somos em nossa maioria esmagadora, você mesmo se ressente muito disso, tenho visto, temos sido "treinados" a confundir cidadania com direitos do consumidor. 

Insistem que nos contentemos em nos vermos reduzidos a um grande mercado consumidor. Aprendemos Inglês e até mesmo Francês nas escolas, línguas que são faladas por pouquíssimos povos do nosso continente. Espanhol é "opcional", relegado a uma categoria "inferior". Somos constante e intensamente bombardeados com tudo que diga respeito a Estados Unidos e Europa, ao passo que nos deparamos com uma tal escassez de "sinais" da mera existência da América do Sul que, se não fosse por aquilo que o mapa-múndi teimosamente indica, a maioria juraria de pé junto que não estamos aqui. 

Falando isso tudo aqui com você, acabo de concluir, agora mesmo, que existe, sim, uma forte barreira impedindo que haja essa integração. E não é nada, nada natural. É uma censura, sim. E forte. Ela se oculta naquilo que você mesma disse sobre estarmos de costas para a América Latina, porém mais ainda para a América do Sul. Essa censura, além da barreira linguística, que nunca é transposta, vem tendo sua vigência revalidada de tempos em tempos valendo-se de fatos históricos há muito tempo ocorridos do tamanho do território brasileiro, do orgulho que é constantemente infundido no brasileiro a respeito da posição de supremacia do Brasil, na rivalidade fomentada pela mídia com coisas de futebol, na invisibilidade dos países sul-americanos na mídia brasileira e muitas outras coisinhas. 

Porém, consigo identificar uma "coisona" que pode ser que seja o que faz com que vejamos nossos vizinhos como inimigos. Por estarmos sempre com os olhos voltados para os Estados Unidos e Europa (os ricos), e "de costas" para a América do Sul (os pobres), estamos sempre no meio do caminho. Aquela posição desconfortável, geralmente ocupada pela classe média que está sempre querendo ficar rica e sempre com medo de ficar pobre. É sempre ela a primeira a perder e é sempre a que perde mais. Acho que essa censura existe justamente para que não nos contagiemos com o bolivarianismo, com a dignidade, com a altivez, com a simplicidade e com a valentia de nossos vizinhos. 

Somos um povo mantido infantilizado, isolado e não podemos brincar na rua com os filhos dos vizinhos, mantido assim há muito tempo entre recompensas e castigos. Ultimamente, vimos sofrendo forte assédio moral e temos sido molestados "sexualmente" no nosso âmago. E também fomos estuprados. Como brasileiro é como eu me sinto. Mas acho que isso me explica um pouco do porquê de não haver panelas batendo nas ruas. A mamãe não deixou a gente sair na rua hoje. A gente só sai quando ela deixa ou quando ela pede. Valeu por acender meu estopim falador, Eliane Brum.



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