Painel Guerra e Paz, Cândido Portinari |
Era uma vez um país imenso e rico que já tinha sido colônia, reino, monarquia, ditadura e que há poucos trinta anos tinha conquistado um "estranho" sistema político chamado democracia. Na mesma época foi promulgada uma bela carta de leis chamada Constituição onde dizia, entre muitas coisas, que os cidadãos elegeriam periodicamente seus representantes por meio de eleições livres.
Em 2014 já era hora de novas eleições para escolher um novo presidente e o povo estava bastante dividido entre dois candidatos, que por acaso eram um Homem e uma Mulher e até o final do pleito não se sabia quem seria o vencedor, pois a disputa estava bastante acirrada. E os ânimos também.
O resultado final foi que 51% dos eleitores votaram na candidata Mulher e 49% no candidato Homem, mas é claro que o gênero aqui não importa ou ao menos não importava até então. A candidata Mulher estava concorrendo à reeleição e todos já a conheciam. O candidato Homem era um estreante na aspiração ao cargo, mas não na política. Quinze Povos (Estados) elegeram a Mulher e onze, mais a capital do país escolheram o Homem.
Ocorreu que o candidato Homem 49% e seus companheiros, inconformadíssimos, não aceitaram esse resultado e num primeiro momento pediram que os votos fossem recontados. Ao confirmar-se o resultado, os meios de comunicação, os grandes donos de empresas e as elites políticas do país que apoiavam o candidato Homem 49% continuaram muito insatisfeitos. Começaram então, uma grande campanha de ódio e difamação contra a mulher 51% e seus pares, acabando por respingar até em seus eleitores e simpatizantes, os seus próprios votantes.
A campanha difamatória contra a candidata vencedora foi tanta e alcançou níveis tão importantes que o grupo formado de 580 pessoas, maioria homens, chamado Congresso Nacional que também havia sido eleito para fazer as leis, achou por bem derrubar aquela Mulher 51% depois de quase dois anos no governo. A guerra estava deflagrada, pois os companheiros do candidato Homem 49% tomaram o poder e iniciaram um processo de desmontes de regras e retirada de direitos que tinham sido conquistados anteriormente através da Constituição.
Esses desmontes visavam unicamente beneficiar os grandes empresários e os donos do dinheiro. As perdas e retrocessos eram enormes e atingiriam 90% da população. Instaurou-se assim uma grave crise política, social e econômica como poucas vezes tinha acontecido no país. As instituições ficaram desacreditadas e a instabilidade gerou grave insegurança jurídica e social.
Esse plano difamatório foi muito aplaudido e apoiado pela Minoria 49% que se apropriou das cores da bandeira do país, tomando as ruas a vociferar que só eles eram os legítimos "cidadãos de bem" e que os outros 51% deveriam "tomar vergonha na cara", pois passaram a ser vistos como bandidos e mereciam ser banidos, execrados, submetidos ou escravizados.
Nada ficou provado das ilicitudes que acusavam a Mulher 51%, inclusive, ela ainda pôde se candidatar livremente a outros cargos públicos e o tempo comprovou ser ela uma pessoa honesta. Ao contrário do candidato Homem 49%, foi descoberto ser autor de vários crimes com provas, cavou sua tumba política por conta de sua falta de caráter, inconformismo, truculência e irresponsabilidade. Mais cedo ou mais tarde ele deverá responder à justiça, assim como muitos dos articuladores do que se chamou Golpe.
E a guerra continuou, as pessoas cada vez mais se desentendendo e tomando partido com base em simplificações*, generalizações e manipulações. Muitos expunham a sua boçalidade e incultura culpando a "estranha" democracia e pediam a volta da ditadura. Mal sabiam eles que foi justamente quando os 51% Maioria viram seus votos serem invalidados pela Minoria, nem chamo de perdedores, que aí foi onde tudo começou. A Constituição previa que as eleições seriam periódicas. Por que não aceitar as regras?
Essa irresponsabilidade da Minoria 49% deu margem a que se destapassem as mais torpes formas de pensamento e de falta de caráter de uma parcela da população. Apareceu uma escória humana protegida pelo escudo das redes sociais que passaram a abusar sistematicamente da liberdade de expressão. Esses grupos criminosos foram capazes dos mais absurdos atos e manifestações contra os direitos humanos, contra a educação, contra o estado de direito e contra as liberdades individuais.
Alguns mais inocentes dos 49% agora, perplexos clamam aos céus pela paz entre os 51 e os 49, imploram para que boas energias e vibrações iluminem os 51 e os 49. Enfim, agora apelam para a interseção dos deuses. Outros estão silenciosos, talvez envergonhados do equívoco que cometeram e das injustiças que ajudaram a empreender quando aplaudiram tanta insanidade. O voto é livre, mas desrespeitar a vontade da maioria é pisar, anular e desmerecer a democracia e a justiça.
Esse ano o pais terá eleições novamente. O tempo passa depressa. Quanta energia desperdiçada com tantas brigas, tantas desavenças familiares, tanto xingamento, tantas amizades desfeitas, tantas decepções, tanto sofrimento, tantas mortes, tantos espancamentos, tanto desemprego. Quanto poderia ter sido evitado, quantas sequelas deixadas!
Espera-se que quem não está de acordo com as regras, que proponha novas e que se discuta,mas chega de golpes!
90% está cansado!
*Com esse texto não se pretendeu a simplificação e sim uma síntese livre de uma história para ser contada aos netos.Talvez eles nos darão as respostas.
*O título é uma alusão ao livro de Ignácio de Loyola Brandão, 1981.
Março de 2018
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