Eleição, opção, escolha, voto, sufrágio são palavras e atos dos mais dignos usadas numa democracia, pois teoricamente são responsáveis por mudar o destino, aperfeiçoar, criar condições de bem-estar e organização de uma comunidade, de um Estado, de um país. Democracia representativa significa a forma de poder que o povo exerce escolhendo periodicamente seus representantes para legitimar governos através da escolha de chefes de governo, presidentes, governadores e parlamentos. Não é ainda uma forma perfeita de organização social, de soberania e de representação popular, mas é a que está vigente no mundo civilizado depois de séculos de guerras, revoluções, quedas de regimes, tratados, declarações e convulsões sociais.
Exercer a cidadania é escolher pelo voto qual candidato, qual partido político ou qual regime político representa o mais perto de nossos anseios de arranjo e conformação social. Então, o respeito à dignidade desse ato se faz necessário, porque todos são chamados a opinar, mesmo que uns não queiram ou que prefiram viver em suas bolhas existenciais. A não ser que você viva na floresta, coletando ou plantando seu alimento, bebendo água da fonte ou da chuva, provavelmente você não necessita organizar-se com ninguém e ninguém vai opinar quanto ao seu modo de vida. Mas quando você vive em sociedade seja numa grande ou pequena cidade do interior européia, americana, asiática, mesmo numa tribo indígena, africana ou esquimó você estará sujeito à regras. E essas regras, no mundo ocidental, você é chamado a construir, a votar, a promulgar através de seus representantes os quais você escolheu livre e secretamente- o voto livre e secreto também foi uma escolha sua aprovada numa Constituição.
É espantoso, portanto que uma atividade tão digna e importante na vida das pessoas tenha sido tão vil e irresponsavelmente denegrida e desonrada nesse momento tão decisivo para o país.
Me refiro ao grotesco vídeo que circulou pela internet no dia das eleições presidenciais mostrando uma pessoa digitando o número de seu candidato - não sem espanto, a escolha fascista - na urna eletrônica com o cano de uma arma. Eu ainda torço para que isso não tenha realmente acontecido numa sessão eleitoral e que foi só o delírio de um psicopata, buscando likes e seguidores entre seus pares, destes muitos que existem por aí que criam bizarrices e enchem o sub-mundo da internet.
Mas o vídeo está aí e foi visualizado e compartilhado milhares de vezes para o espanto de uns e divertimento de outros. Espero que esta selvageria tenha sido devidamente denunciada e que os responsáveis sejam devidamente punidos. Se não, os simpatizantes da violência e do ódio contra a política e as instituições terão cada vez mais salvo-condutos para praticar todo tipo de barbaridades e crimes amparados pela inércia da justiça e pela impunidade.
Nas duas situações, na autenticidade ou não do vídeo tento fundamentar a atitude da pessoa ou do grupo responsável pela postagem e tentar entender no que se baseiam atitudes dessa natureza no inconsciente dessas pessoas.
Nos últimos tempos, o assunto política e políticos ganharam uma posição de grande rejeição, indignação, escárnio e cólera por grande parte da população, quando viram os meios de comunicação sistematicamente jogarem enxurradas de denúncias de corrupção e abertura de inquéritos policiais contra uma infinidade de políticos de todos os partidos. E ocorreu um fenômeno, cuja mídia e sistema judiciário também são responsáveis. O simples fato de alguém ser denunciado já caía na percepção dos cidadãos como fatos verdadeiros, consumados, líquidos e certos. Ou seja, o "onde há fumaça, há fogo" prevaleceu e sabemos que essa máxima nem sempre é verdadeira. Os processos judiciais, geralmente morosos não acompanham as notícias que são instantâneas, então até que um processo judicial se conclua muitas reputações já foram enxovalhadas pela imprensa e a população digere o fato sem contestar. Tempos depois, quando sai uma decisão judicial inocentando alguém, isso já nem é notícia. Torna-se mais relevante o linchamento público, as acusações, as condenações sem provas e as punições ao "arrepio da lei". A despeito disso, é extremamente compreensível um nível de revolta contra todos os crimes cometidos por corruptores e corruptos que foram comprovadamente praticados e têm sido denunciados e provados por operações policiais até o momento. É incompreensível, no entanto, por que toda essa revolta é canalizada para gerar apoio a uma candidatura bizarra, fascista e que, perigosa e sistematicamente afronta a Constituição, se associa à violência e prega a necessidade do armamento do cidadão para sua "paz e segurança". As armas sairão de dentro das urnas e pergunto para quem, afinal serão apontadas? Quem são os alvos desses "cidadãos de bem" bem armados? Quem será condenado à execução sumária? Infelizmente, essa pergunta já está sendo pouco a pouco respondida nas ruas e nos discursos de ódio na internet. Bom entendedor, entenderá.
O que faz uma parte da sociedade acreditar que a violência, a truculência e atitudes anti-democráticas sejam a solução para os problemas estruturais de uma Nação e que só um Chefe de Estado com características autoritárias, ditatoriais e de discurso tosco e agressivo sejam a solução para um país tão complexo como o Brasil. Desde 2014, estamos vivenciando uma crise ética e política que agora culmina, espantosa e perigosamente para uma crise civilizatória.
Já dizia Berthold Brecht : "Que tempos são esses em que é necessário defender o óbvio?"
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