Morei por sete anos num pequeno povoado chamado Combarro. Está situado no litoral da Província de Pontevedra, Comunidade de Galícia, Espanha. Segundo informativos turísticos, ele figura entre os povoados mais bonitos do país. Era uma povoação independente até início do século XX, depois foi anexado ao município vizinho de Poio e considerado sítio histórico desde 1972. Combarro abriga pouco mais de dois mil habitantes, tem fortes características marinheiras, é banhado pelo Oceano Atlântico e fica às margens de um típico acidente geográfico da região chamado "ria".
Uma ria é semelhante a uma baía ou uma enseada onde o mar adentra um litoral bastante recortado onde, invariavelmente encontra a foz de um rio. Uma ria ostenta uma infinidade de minúsculas praias de mar calmo, quase sem ondas e águas pouco profundas. Na Galícia elas formam as chamadas Rias Baixas. Os peregrinos que fazem o Caminho de Santiago pela rota portuguesa passam há menos de cinco quilômetros de Combarro, pois Pontevedra, cidade vizinha e capital da Província faz parte do roteiro original.
A fundação de Combarro data do século XII e tem relação com o início da construção do bonito Monastério de San Xoán, hoje um monumento emblemático na cidade de Poio. O centro histórico reúne um aglomerado rústico de casas de pedra, a maioria com dois pavimentos e com pé direito bastante baixo, dotadas de pequenas portas e janelas de madeira, vielas muito estreitas e pavimentadas com pedras rústicas. As paisagem tem o mar a sua frente e uma pequena elevação de montes por detrás. As diminutas sacadas das casas e os parapeitos das janelas são enfeitadas com vasos de plantas que florescem na primavera.
A ria, estando sujeita às marés, pode trazer o mar até as fundações das edificações e é comum algumas ruas terem seu final exatamente onde inicia o mar. A parte térrea do casario é bastante ocupada por negócios turísticos como lojinhas de souvenires, restaurantes, bares, taperias, tavernas e cafeterias. Conforme o turismo foi crescendo, alguns nativos foram vendendo suas propriedades antigas da família, bastante valorizadas, para se afastarem do tumulto dos turistas e viverem em zonas mais tranquilas.
As casas têm aspecto úmido pelo movimento das marés e pelo clima que em algumas épocas do ano pode ser bastante chuvoso. As múltiplas borrascas que vêem do oceano podem fazer com que faça chuva e vento forte durante dias e até semanas seguidas sem aparecer o sol em nenhum momento do dia. Os ventos agitam o mar e podem prejudicar os serviços de pesca, mas também proporcionam espetáculos de ondas gigantescas incríveis em algumas praias de mar aberto próximas à Combarro.
Em compensação, quando finalmente o tempo abre, o paraíso se revela. No verão, o dia pode durar até às dez e meia "da noite", o ar cheira à mar e peixe e a temperatura é tão cálida que não exige aparatos de refrigeração. Embora o inverno seja muito frio de dezembro a abril, com temperaturas médias não ultrapassando os dez graus, as precipitações de neve são muito raras, porque sua localização à nível do mar não propicia esse evento.
As gaivotas são habitantes naturais da região. Seu canto, vôo e plumagem encantam e embelezam a paisagem, algumas até parecem domesticadas, quando se aproximam das pessoas querendo algum petisco. A Canteira é uma minúscula praia do povoado, de areia fina e águas calmas e claras onde os banhistas se amontoam nos verões. A água é insuportavelmente gelada para brasileiros acostumados com o Brasil tropical, mas isso não evita largos banhos de mar aos mais corajosos, principalmente as crianças.
O povo é em essência composto de famílias de marinheiros que passaram a vida tirando sua subsistência do mar, coletando peixes e mariscos e/ou da terra numa agricultura que aproveita os montes que estão por detrás do povoado. Ali se cultivam uvas, batatas, tomates, pimentões, milho e verduras. A produção de vinho é de larga escala, muito desenvolvida e o Vinho Alvariño é muito famoso dentro e fora do país.
O porto abriga barcos de pesca e de passeio. Desde o final da primavera e no verão, há uma linha regular de passeios de barco bastante disputada pelos turistas. Ali crianças, jovens e adultos costumam fazer aulas de canoagem ou jogar pólo aquático, um tipo de handebol na água. Em determinadas épocas do ano o passeio público, a praça e as vielas do centro histórico estão repletos de turistas. Os excursionistas chegam dos mais variados recantos da Europa e se pode ouvir muitos idiomas. Eles são franceses, ingleses, suíços, alemães que amam o sol da Espanha e portugueses, os vizinhos fronteiriços que também estão sempre por aqui.
"Hórreos" são construções antigas típicas galegas, edificações de pedra e madeira, tendo como base quatro altos pés que os elevam do chão. A estrutura tem pequenas fendas nas paredes para circular o ar, onde os antigos guardavam os produtos da colheita, principalmente batatas. Estão dispostos nos terrenos atrás ou em frente às casas o que torna o imóvel muito valorizado pelo apelo histórico e turístico. Os cruzeiros são colunas feitas de pedra com cruzes e esculturas de santos que se verificam em algumas esquinas do sítio histórico. Os cruzeiros eram construídos, segundo os especialistas para servirem de proteção aos marinheiros que estavam ou que voltavam do mar.
O povo é simpático, sem ser efusivo, cordial sem ser caloroso tanto entre eles quanto com os estrangeiros. Muitos homens e mulheres têm uma forma um tanto rude no falar, em geral em volume alto, usando muitos impropérios que dão aparência que estão sempre em meio a discussões. Fala-se o idioma oficial, o galego, uma mistura de castelhano com português, o que dificulta um pouco o aprendiz de castelhano e facilita ao falante de português, embora custe algum tempo para que um estrangeiro possa diferenciar de uma vez por todas o castelhano do galego.
A qualidade e expectativa de vida do povo são bastante altas, consequentemente há grande percentual de idosos. Eles andam as dezenas pelo passeio público, saem de viagem em passeios subsidiados pelo governo e em geral são bem humorados e falantes. As senhorinhas do povoado saem às compras com seu avental de "ama de casa"— adjetivo que designa a mulher que não trabalha fora. O avental é um vestido de tecido leve, geralmente num quadriculado minúsculo, sem mangas, abotoado na frente e colocado por cima de todas as roupas.
Invariavelmente, as pessoas se encontram na praça onde as crianças brincam ou no passeio público, aos grupos ou aos pares para um tanto de conversa, para uma caminhada matinal ou de final de tarde. A maioria do povo gosta muito da rua, dos espaços públicos, das pistas de caminhada e das cafeterias e o tempo permitindo estão todos por ali.
Os moradores nativos se conhecem bastante e todos podem ser um pouco parentes, então é normal que muitos saibam muito da vida de todos, embora se perceba uma certa discrição—mas não desinteresse— quanto ao hábito da bisbilhotice. Assim é um pouco do Combarro que conheço.
Horreos |
Já sinto afinidade pelo pequeno povoado de Combarro, na península de Pontevedra. Sua natureza peculiar, que abriga enseadas ou baías, onde o mar recortado se encontra com o rio.
ResponderExcluirEspetáculo da natureza! Um povoado portuário que tira sua própria subsistência e que acolhe muitos turistas dos mais diversos cantos do mundo...construções em pedra, formam as vielas, por onde transitam tantos turistas,tudo muito antigo. Sem falar nas gaivotas, habitantes da região que embelezam e interagem com com nativos e diversos sotaques...
Belo Combarro! Cheio de encantos!