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Me chamo Ler, Leer, Lire, Leggere, Read




Leitora voraz desde que aprendi a juntar letras e sílabas, apenas venho alternando gêneros,  descobrindo autores e mudando a forma de ler. Minha infância foi marcada por duas grandes obras, além dos livros de textos escolares. A primeira foi a Enciclopédia Delta Júnior, lançada em 1967 pela mesma editora responsável pela publicação em português do Delta Larousse e a segunda foi o Mundo da Criança também da Editora Delta.

Meu pai comprou a Delta Júnior pensando em termos em casa uma fonte de consulta para trabalhos escolares. A enciclopédia está bem guardada, tem doze volumes em capa vermelha, os verbetes se distribuem pelos volumes em ordem alfabética. As ilustrações são todas feitas com desenhos coloridos, não há fotos e guardo na memória muitos tópicos consultados quando era criança.

Conheci "O Mundo da Criança" quando íamos de férias para a casa dos primos e era a minha distração. Era um conjunto de doze a quinze volumes, livros grandes, pesados e de capa marrom. Lembro bem de ler aí A Rainha da Neve e A menina dos fósforos de Hans Christian Andersen. 

Além das enciclopédias eu gostava muito dos quadrinhos de Walt Disney que também foram meus companheiros da infância e de toda uma geração. Às vezes, ganhava pequenos livros de histórias com desenhos e dobraduras internas que se podia ler e brincar ao longo das páginas. Já eram os pioneiros da interação com o leitor, os "pop-up books" de hoje e que agora acredito, só encantam os bebês.

No final do ensino primário e durante o ensino médio li uma infinidade de clássicos da Literatura Brasileira, uns por obrigação escolar, outros por puro prazer. Com o estímulo de uma ótima professora de Literatura, percorri os períodos literários desde o Quinhentismo até o Pós-Modernismo, mas meus prediletos eram, sem dúvida, os do período Romântico e Realista tanto os autores parnasianos como os naturalistas.

Na casa de uma tia eu também tinha acesso a uma pequena biblioteca onde li a coletânea completa e encadernada de José de Alencar e algumas obras de Pearl Buck, escritora sino-americana cujos títulos A Boa Terra prêmio Pulizter de ficção e Os Filhos de Wang-Lung recordo hoje com saudade.

Na adolescência me apaixonei e filosofei com o libanês Khalil Gibran e seus O Profeta e Areia e Espuma, entre outros. Nessa época li muitas obras de Érico Veríssimo e me encantei com Clarissa, Vasco e os personagens de O Tempo e o Vento. Lembro que nessa fase intercalava os livros com revistas de fotonovelas, muito populares entre as jovens da minha idade e um passatempo mais barato.

Depois de adulta e podendo comprar meus próprios livros, li uma variedade de clássicos ingleses, lembrando aqui as irmãs Brontë com Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes, Jane Austen e um pouco de Agatha Christie. São dessa época minhas leituras dos americanos George Orwell, Ernest Hemingway, Jack Kerouac e Arthur Muller e os latino-americanos Eduardo Galeano e Gabriel Garcia Márquez. Também li sagas famosas como As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley e mais recentemente Outlander ou "A Viajante do Tempo" de Diana Gabaldon.

Consumi um bom tempo lendo livros que tratavam de Saúde Pública e Promoção de Saúde. Em minha vida laboral tive bastante interesse pelos referenciais teóricos e autores da Reforma Sanitária do final da década de 80 e pelo arcabouço legal do Sistema Único de Saúde Brasileiro. Hoje, depois de tantas construções, desconstruções, teorias, políticas e leis que não saíram do papel ou que foram mal conduzidas, evito voltar a esse tipo de leitura, apenas guardando na memória dezenas de experiências exitosas que pude vivenciar e que espero estejam ainda contribuindo no presente.

Como vivia longe das grandes livrarias frequentava bibliotecas públicas e tomava livros emprestados, mas em meados da década de 80 descobri e me associei ao Círculo do Livro uma editora brasileira fundada em 1973, parceria entre o Grupo Abril e a editora alemã Bertelsmann. Tudo se manejava pelos Correios. A editora mandava o catálogo dos livros num encarte mensal com as ofertas, os lançamentos e todo o conteúdo disponível. O cliente escolhia, fazia a encomenda e esperava a entrega em casa. Os livros tinham todos um formato capa dura de ótima qualidade e a empresa tinha uma enorme variedade de títulos e autores.

Aqui não posso deixar de citar meu grande livro da juventude comprado no Círculo, Os Rebeldes de James Michener, autor americano onde parte da história é ambientada em Torremolinos na Espanha, cidade que tive o prazer e a emoção de conhecer muitos anos mais tarde. Meu exemplar de "Os Rebeldes" doei para uma biblioteca pública anos antes de sair do Brasil, mas comprei outro igual num sebo online tempos depois, porque não consegui desapegar. O Círculo do Livro acabou encerrando suas atividades no ano 2000.

A década de 90 foi a fase áurea do gênero autoajuda e dos romances espíritas de Alan Kardec que lideravam minhas aquisições. Mesmo assim também permanecia atenta aos best-sellers nacionais e estrangeiros que embora não lesse de imediato, guardava como dicas de próximas leituras. Alguns certamente acabavam sendo bastante frustrantes, pois raramente coincidia meu gosto pessoal com a lista dos mais vendidos nas livrarias.

Entre outros gêneros também já li muito sobre História do Brasil nas obras de Laurentino Gomes, Eduardo Bueno e tantos outros. Gosto de História Antiga e Contemporânea, romances históricos e ficcionais, livros que viraram filmes, como os premiados A Casa dos Espíritos de Isabel Allende, O Nome da Rosa de Umberto Eco, o grande Jorge Amado com Dona Flor e seus dois maridos e Gabriela, Cravo e Canela e A menina que roubava livros de Marcus Zusak, lançado em 2005. Este último foi um dos melhores livros que li nesta época, guardo-o com carinho, esperando que um dia minha neta também leia.

Como Paulo Coelho é conhecidíssimo fora do Brasil e porque descreveu sua peregrinação pelo Caminho de Santiago em o Diário de um Mago fui reler alguma coisa dele, mas confesso que só consigo selecionar e rememorar O Alquimista que, merecidamente é o livro brasileiro mais vendido de todos os tempos.

Também tenho interesse por memórias e biografias e destaco aqui as de Alberto Santos Dumont, Amelia Earhart e Dona Leopoldina, a Imperatriz do Brasil figuras que conhecendo sua história passei a admirar.

Tenho também especial apreço por histórias ambientadas na Idade Média como Os Pilares da Terra de Ken Follet , dos períodos iluministas do qual destaco A Religiosa de Denis Diderot e os que antecedem ou que permeiam a Revolução Francesa. Inclusive é muito interessante a biografia de Maria Antonieta.

Também na década de 80, período pós- ditadura militar no Brasil, entrei em contato com muitas obras que denunciavam as torturas, o regime e a história recente do país como o projeto Brasil: Nunca Mais realizado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), O que é isso, companheiro! do decepcionante Fernando Gabeira e um documentário jornalístico do Caso Riocentro escrito por Belisa Ribeiro.

Houve um tempo que li alguns títulos também em inglês num formato adaptado para meu nível intermediário, como Dr. Jivago de Boris Pasternak e Alexander, the Great de Philip Freeman só para exemplificar. Atualmente tenho tido contato com um pouco da literatura espanhola, pois consigo ler perfeitamente em espanhol. Meu primeiro livro neste idioma foi  La luz entre los oceanos de M.L. Stedman, embora seja um autor australiano e depois El tiempo entre costuras best-seller de Maria Dueñas, obra traduzida para mais de 20 idiomas.  

Há uns quatro anos, mudei radicalmente minha forma de ler. Como gosto de tecnologia, resolvi experimentar o livro eletrônico e resultou que me adaptei rápida e perfeitamente ao seu formato. Muitas pessoas dizem que não renunciam ao livro de papel, mas digo que é interessante experimentar. É um aparato pequeno, não pesa nada, não ocupa espaço, não consome papel, tem uma luz muito confortável diferente de computador ou tablet e acesso à internet para baixar os títulos, geralmente mais baratos que os livros físicos e com bastante conteúdo gratuito. 

Para não esquecer minhas primeiras leituras em livro eletrônico registro aqui o levíssimo El amor huele a café de Nieves Garcia Bautista, a leitura angustiante e estarrecedora de Vozes de Chernobyl de Svetlana Aleksievitch e o assombroso e revoltante El tren de los Huerfanos de Christina Baker. Estão na fila para releitura, entre tantos, Mulheres que correm com os lobos, porque preciso reforçar um feminismo que tenho ainda pouco explorado e ando em busca de uma versão digital em português ou espanhol de Os Mandarins de Simone de Beauvoir.

Tenho já uma biblioteca digital de mais de 200 títulos que está sempre comigo, na mesinha de cabeceira, na bolsa ou na mala quando viajo. Nesse dispositivo venho descobrindo e redescobrindo a literatura do mundo e agregando cada dia mais memória de histórias que me ajudam a entender a vida. 

Assim tenho acumulado meus livros em duas casas, em estantes, em caixas organizadoras, emprestados a outras mãos, na nuvem eletrônica e outros tantos, inesquecíveis seguirão guardados no coração.




                                               
                                                                     * * *

Comentários

  1. Eliane, com extraordinária criatividade, consegues buscar no tempo as tuas primeiras leituras e, certamente foram elas, a desvendar esse mundo mágico, te fazendo desenvolver o gosto pela escrita e pelos livros... Uma trajetória não muito diferente da minha! Mas inigualável pela sua intensidade, bem como, pela variedade de estilos; incomparável, pela tua busca desenfreada à literatura, ao conhecimento e obstinada pelos heróis de cada época. Assim, vais decifrando histórias, conhecendo mundos, criando, recriando, re-significando... esse é o caminho de uma devoradora de livros! E, atualmente, consagras-te além de uma leitora voraz e crítica, uma talentosa escritora, cuja linguagem e estilo despertam curiosidade, fascínio, conhecimento...

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