Virrey Francisco de Toledo, 5º Virrey de Peru (1515-1582) |
A conquista da América do Sul pelas navegações espanholas, portuguesas e suas respectivas coroas exigia que se povoasse e fixasse no território sua própria gente já que os conquistadores jamais reconheceram os nativos, chamados equivocadamente "índios", como os verdadeiros donos das terras "descobertas" e posteriormente invadidas. Com isso aportaram no continente sul-americano indivíduos europeus pobres, muitos deles forçados a emigrar, os degredados citados por Eduardo Bueno no livro Náufragos, Traficantes e Degredados, pessoas com penas a cumprir, pessoas sem recursos ou nobres decadentes que eram agraciados com grandes propriedades. Segundo Josep M. Buades em "Os Espanhóis", parte desses indivíduos —convém não generalizar— eram desprovidos de escrúpulos, moral ou princípios tanto que exploraram e abusaram dos povos indígenas e outros tantos delitos que estão fartamente documentados pela história.
A Lei das Indias, documento espanhol de 1512, normatizava o comportamento dos colonos espanhóis, principalmente em relação aos nativos, proibindo tomá-los como mão-de-obra, tanto que mais tarde, frustrada a exploração do trabalho indígena, se iniciou o tráfico de pessoas do continente africano com o mesmo intuito econômico baseado no escravismo. As causas dessa mudança não aconteceram para acatar a lei e sim porque os indígenas acabaram sendo dizimados por massacres na luta em defesa de suas terras, magistralmente retratados no filme A Missão de Roland Joffe (1986) também por doenças contraídas pelo contato com os europeus. Além disso, a barreira geográfica, as grandes distâncias e dificuldades de comunicação entre a Colônia e a Coroa prejudicavam a fiscalização desses vice-reinados —Virreinatos—, seus respectivos vice-reis e os chamados cabildos, conselhos administrativos das colônias, que então se outorgavam o direito de acatar, mas de NÃO cumprir o que NÃO LHES CONVINHA cumprir. Ou seja, as leis eram legítimas de direito, mas algumas não eram respaldadas de fato.
Nessa época ficou famoso o adágio: "Se acata, pero no se cumple. Es decir, no desconocemos la autoridad del que dice ésto, pero (...) no lo aplico y lo archivo en un cajón. Esto se hizo muchas veces."Se respeita, mas não se cumpre. Quer dizer, não desconhecemos a autoridade do que mandou, mas (...) não aplico e será arquivado em uma gaveta. Isso foi feito muitas vezes."
T Todos esses fatos estão fartamente documentados e contabilizadas as vidas perdidas e as vidas afetadas, mas é impossível conhecer quanto sofrimento coletivo, quantas sequelas humanas e ambientais, quantas e quais consequências deixarão para o futuro somente esta dezena de fatos listados acima.
Voltando ao adágio popular dos primórdios da conquista da América, pode-se intuir uma conexão entre todas essas tragédias evitáveis, recheadas de negligências, desmandos, indisciplinas, desleixos, irresponsabilidades, imprudências e pressupor uma cultura ou uma herança enraizada em nosso continente que "acata, pero no cumple" leis, regras, normativas, boas práticas, resoluções e outras tantas formas de regular a atividade humana, proteger a vida e o meio-ambiente.
Parece que nunca temos em conta que normativas e regulamentos não são simplesmente um emaranhado de textos sem serventia, são diretrizes sempre baseadas no conhecimento técnico-científico ou em experiências anteriores com outros sinistros e acidentes. Mas além disso há agravantes que se somam à negligência, ao descaso e à irresponsabilidade que são a extrema desvalorização da vida humana, a impunidade e a falta de percepção de que esses fatos constituíram atitudes criminosas e verdadeiros atentados contra a vida e contra o planeta.
O que mais está por vir? Até
quando seremos apenas assistentes inabaláveis, resignados, cegos ou apáticos
diante de desumanidades como essas e de outras tantas que vão se somando ao
dia-a-dia e que logo nem lembraremos mais? Até quando vamos endossar que o
poder do dinheiro domina a vida humana e que algumas vidas humanas valem mais
que outras?
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