Muito antes de começar a campanha eleitoral de 2018, quando somente uma possível candidatura de Jair Bolsonaro tomava forma, eu comentava que os que na época já se alinhavam com essa possibilidade não o faziam por simples opinião, ponto de vista, convicção ou ideologia política. Era uma questão de caráter e de afinidade. Perdi algumas amizades por essa afirmação e porque não via a mais remota possibilidade de alguém tornar-se um estadista respeitado e preparado depois de ouvi-lo pronunciar aquelas barbaridades na fatídica noite da votação do impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff. Antes e depois daquela afirmação foram muitas e muitas outras, mas foi ali que conheci esse senhor e a mais asquerosa e escarnecedora face do povo brasileiro ali representado naquele palco de horrores instalado no Congresso Nacional naquela noite.
Uns dias depois da posse do recém-eleito presidente do Brasil, mais precisamente dia 05 janeiro de 2019, assisti um programa da Televisão Espanhola RTVE chamado Informe Semanal com o título de Giro Extremo. O programa analisava a eleição brasileira, mostrava cenas da posse e entrevistava apoiadores e adversários. Num dado momento, um senhor apresentado como professor de Ciência Política de uma Universidade de Brasília, indagado pelo repórter sobre a personalidade do novo presidente, diz: As instituições estão funcionando bem, portanto Bolsonaro vai ter que entrar num figurino, num marco institucional e se comportar de uma maneira mais tranquila e moderada. O dito professor dizia essa frase, enquanto fazia o gesto de um quadro com as mãos, ou seja, ele percebia a necessidade do presidente enquadrar-se.
Atualmente essa afirmação soaria como piada, não fosse o cerne de toda a tragédia brasileira que instalou-se desde então. Gostaria de saber o que esse professor diria hoje de sua tão confiante assertiva da época. Eu discordei veementemente dessa fala, porque além de duvidar do alinhamento do presidente frente às instituições, eu percebia que desde 2015 estas já não funcionavam bem, quando o Ministério Público e Polícia Federal já operavam num sistema de exceção e cometiam graves violações à Constituição Federal como já veio à público no caso da Operação Lava Jato.
Pois, como foi possível comprovar ao longo dos meses, o senhor presidente não só não se moldou como sistematicamente extrapolou todas as possibilidades de enquadrar-se às instituições democráticas. Não fosse as instâncias superiores da Justiça, de parte do Congresso e parte da imprensa mais judiciosos, estaríamos mergulhados na maior anarquia capitalista da história, onde as desregulamentações seriam a medula do governo, onde cada um faria o que quisesse e o Deus deles que fizesse por todos. Todos, no caso, são somente parte dos brasileiros que ainda o apoiam e para os quais ele governa.
Bolsonaro e sua família são os típicos liberais que pregam o Estado mínimo para o povo, mas que se beneficiaram toda uma vida do Estado máximo através dos orçamentos tanto do Exército como do Poder Legislativo. Agora, pouco mais de um ano de mandato e em meio à pandemia do coronavírus o Fora Bolsonaro vem tomando forma, mas ao contrário de 2016 me parece ainda distante que o fisiologismo e clientelismo do Congresso Nacional cedam a essa pauta. É certo que já somam quase cinquenta pedidos de afastamento do presidente que estão com a Presidência do Parlamento que a meu ver espera o momento mais propício, segundo informações, para colocar o assunto em debate, ainda que os bastidores possam estar nesse movimento, mesmo timidamente.
Ao aderir ao Fora Bolsonaro, em hipótese alguma devemos enjeitar o devido processo legal e as ferramentas que a Constituição Federal dispõe para que uma eleição democrática seja questionada e impedida com base na lei. Todas as razões jurídicas estão dadas hoje e são incomparáveis com as de 2016 quando depuseram uma Presidente íntegra. Hoje enfileiram-se crimes de responsabilidade, de improbidade administrativa e inclusive crimes comuns. O maior crime configura-se indubitavelmente contra a saúde pública pela negação, inércia e desprezo governamental pela pandemia da Covid-19, o que espero que no futuro todos sejam responsabilizados diante de um Tribunal Internacional.
Agora mesmo faltam só as razões políticas que o golpismo, o antipetismo e o oportunismo de alguns políticos, empresários, dos ricos e também de falsos ricos que não querem abrir mão, tampouco reconsiderar e repensar sobre o grave erro cometido ao dar apoio a essa desgraçada aventura chamada bolsonarismo.
Seriam somente três as vias legais para afastar um presidente da República: sua própria renúncia, o impeachment ou a cassação da chapa. Talvez ainda haveria uma quarta via, o afastamento por incapacidade psicológica/psiquiátrica. Mas não estou segura.
A renúncia, a meu ver está fora de cogitação pela personalidade sociopata de Bolsonaro, que se alimenta de delírios e teorias absurdas, vive numa bolha influenciado por gurus destrambelhados, por uma turba de apoiadores e familiares iguais de patológicos e/ou marginais incapazes de enxergar seus delitos e leviandades diárias.
A cassação da chapa da eleição de 2018 por conta do inquérito das fake news me parece também bastante improvável, mesmo com um conjunto de provas robustas, salvo que haja uma iluminação inédita na cabeça dos juízes. Na maioria das vezes eles devem estar habituados a condutas comedidas, quando possíveis abalos sísmicos nas estruturas do Estado ficarem ligados a seus nomes.
Resta a terceira, a via do impeachment, que já comentei, ainda vejo longe no horizonte por conta de características infelizes de metade dos congressistas, afeitos a negociatas e associações espúrias. São necessários 342 votos para que se inicie o processo e muitos creem que não haveria legitimidade uma votação dessa natureza acontecer de maneira remota agora na pandemia.
O que é certo, sim é que o Fora Bolsonaro precisa ganhar mais força e ecoar cada vez mais alto para que chegue aos ouvidos de um Congresso que se ponha a olhar mais para as necessidades do conjunto da população e menos para seus próprios negócios, que seja consciente que logo terá que correr atrás de votos e que o apoio popular do presidente já vem caindo.
Não podemos esquecer também que se acontecer o impeachment virá um vice-presidente que também precisará ser enfrentado, enfim que a luta é árdua e a recompensa pode vir, mas só em 2022. Enquanto isso, espero que aos que têm olhos para ver esse Brasil destruído, isso tudo sirva de lição.
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