Foto: Arquivo Pessoal |
Já estava morando na Espanha há um ano, quando
conheci Ribadeo na Província de Lugo, à noroeste da Península, limite entre
Galícia e Astúrias. A cidade é famosa por estar nas proximidades da Praia das Catedrais no Mar Cantábrico, uma paisagem incomum feita de altos arcos de rochas e formações de cavernas em uma praia que só se pode entrar com a maré baixa e depois de pedir autorização à prefeitura, pois a entrada está controlada. Meu companheiro tinha sido designado àquela cidade para
ministrar um curso aos colegas da Vigilância Aduaneira e estaríamos ali por todo o dia seguinte.
Chegamos na cidade quando escurecia e já fazia um pouco de frio de outono. O hotel era um prédio simpático de dois pavimentos e o estranho nome de O Cabazo. Os galegos têm o costume de nominar os lugares com um artigo definido na frente: A Corunha, A Estrada, O Grove, A Lanzada, O Xesteiro, etc. Os quartos ficavam no andar de cima separados por um largo corredor e a escadaria era larga e imponente como nos teatros. Jantamos ali por perto do hotel e não saímos mais naquela noite.
Quando eu acordei no dia seguinte, procurei saber como estava o tempo, pois queria aproveitar para explorar a cidade. Levantei
e busquei a abertura da janela por trás do cortinado grosso que cobria toda
uma parede do quarto. Deslizei a cortina e o que encontrei não foi uma persiana
ou uma janela comum. Havia uma porta de vidro que se abria de par em par para
uma pequena sacada. O parapeito parecia uma obra de arte, de ferro fundido negro
com desenhos retorcidos imitando as sacadas de prédios históricos, embora fosse
um prédio de engenharia contemporânea.
O dia era uma mescla de frio e umidade,
pairava uma névoa branca e chovia fininho o que já limitava meus planos de sair de passeio. A vista da janela-porta dava para uma parte interna do
prédio e havia um pátio com canteiros de plantas e caminhos estreitos de terra
misturada com um pedregulho miúdo, daqueles que fazem um barulhinho ao pisar.
Havia dois ou três bancos compridos do mesmo ferro do parapeito da sacada e
creio, com os desenhos parecidos.
Mas a surpresa mais bonita foi a imagem
colorida que tinha diante mim, embora o dia estivesse cinza e branco. A copa
das árvores e pedaços de chão estava cobertos com os mais diversos tons que iam
do rosa, vinho, ocre e marrom das folhas que se acumulavam e se transformavam
naquela visão típica do outono do hemisfério norte.
Tirei uma única foto daquele momento naquela manhã, ainda meio sonolenta e guardei na minha memória a visão colorida em contraste com o dia cinzento daquele canto de mundo A foto acabou esquecida nos arquivos de um telefone celular avariado ou em alguma página antiga da rede social.
Um dia, descobrindo como reaver postagens anteriores, resgatei a foto daquela manhã em Ribadeo e comprovei que a mente é prodigiosa para a criação. A visão do dia cinzento contrastando com o colorido da paisagem do pátio interno do hotel era mesmo real, mas os outros detalhes eram só fruto de minha imaginação, por ter idealizado a lembrança daquele momento.
O pátio era em realidade um estacionamento pavimentado com as linhas brancas delimitando o lugar dos carros, postes de iluminação, pequenos arbustos ao fundo como uma cerca viva e não havia caminhos com pedregulhos, nem bancos de ferro, só uns poucos canteiros de plantas, sem a profusão de cores outonais como já havia visto em outros lugares. Os bonitos detalhes daquela vista da janela que mantinha como reais eram apenas detalhes plasmados de outras memórias de outros lugares. Minhas recordações foram super dimensionadas justamente pela beleza que o lugar já carregava.
Arquivo pessoal : Tuny Brum |
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