Em seis anos vivendo na Europa fui uma única vez a Londres. Era novembro de 2014, meu marido e eu saímos do aeroporto de Lavacolla em Santiago de Compostela pelas sete da noite e chegamos passava um pouco das nove horas em Stansted, aeroporto mais afastado e mais ao norte de Londres. Dali tomamos um ônibus que nos deixaria na Estação Victoria no centro, distante uns 60 quilômetros do aeroporto. O trajeto de ônibus ao chegar à cidade contornava o Rio Tâmisa e já pudemos ver o Big Ben todo iluminado. Era uma noite fria e àquela hora as ruas e o trânsito ainda estavam movimentados.
Tínhamos uma reserva num hotel em Norfolk Square perto da Estação do Metrô de Paddington. Tomamos um táxi na Estação Victoria, um carrinho preto Mini Cooper tipo Mr.Bean e passamos o endereço do hotel a um motorista impaciente e pouco simpático. Foram pouco mais de três quilômetros e pagamos uma tarifa de 14 libras—hoje quase 100 reais. O hotel ficava em frente a uma simpática praça num conjunto de prédios típicos parecidos com os do filme Um lugar chamado Notting Hill e, preparados com nosso razoável inglês para viagem, nos identificamos, dissemos de onde vínhamos e a moça da recepção, percebendo nosso acento latino, disse:
— Podeis hablar en castellano, soy de Madrid. Primeira coincidência de um mundo pequeno. Ou talvez nem tanta, depois eu vim a saber que desde a crise de 2008, milhares de espanhóis de todas as idades saíram do seu país em busca de trabalho e oportunidades em outros países da União Européia.
Tivemos problemas com a fechadura da porta do quarto e a moça madrilenha nos transladou para outro provisoriamente. O cômodo era um tanto estranho. Uma peça grande no térreo com o chão mais rebaixado, sem estar no subsolo, tinha um degrau logo na entrada da porta, duas camas de solteiro, aspecto úmido e frio, mas com boa calefação, um banheiro razoável e bastante silêncio.
O café da manhã era bem escasso segundo minha experiência com hotéis brasileiros, espanhóis e portugueses onde há sempre abundância de frutas, sucos e variedades de pães. Logo na entrada era preciso esperar o atendente e fazer pedido de suco, café ou chá. Eu queria suco e café, mas parece que não era possível. Pedimos café, claro. Em cima da mesa já estava um pequeno bule com leite frio, depois serviram na mesa outro bule enorme com um café fraco e fumegante. Havia um diminuto buffet com mais raridades como rodelas de tomate, pedaços de manga e laranja e—felizmente— uns mini-croissants quentinhos. Não fosse pelos croissants teria passado fome. Quem come tomate e manga no café da manhã?
Optamos por nos locomover de ônibus pela cidade para aproveitar os double-decker vermelhos londrinos—ônibus de dois andares—onde nos púnhamos sempre na parte de cima para observar a paisagem. As primeiras horas andando no trânsito foi um pouco nauseante, creio que desequilibra o aparelho vestibular—o labirinto—por causa da direção pelo lado esquerdo e os volantes do lado direito, mas depois logo acostumas. Bem, ao menos para quem não está dirigindo.
Foram quatro dias divertidos apesar do frio e do tempo cinzento. Alguns momentos caía um garoa fina e o dia se punha a escurecer antes das cinco da tarde, então tínhamos poucas horas de claridade para os passeios. Vimos quase todos os emblemas da cidade, o Big Ben, a Abadia de Westminster, a cerimônia de troca da guarda no Palácio de Buckingham, andamos pela Oxford Street, pelo Saint James Park, tiramos fotos em Picadilly Circus—um cruzamento de ruas famosas e conhecido pelo seus cartazes luminosos. Esquadrinhamos a Oxford Square molhada pela chuva da noite, almoçamos em frente ao London Eye— uma roda gigante de 135 metros também chamada Roda do Milênio— e fizemos um passeio de barco pelo Rio Tâmisa até Greenwich Park onde está o marco zero do meridiano de mesmo nome.
De noite jantávamos fish and chips—peixe com batatas fritas— comprados nos inúmeros botequinhos take away—comida para levar—perto do hotel. Era uma opção mais barata que os almoços no centro. Uma manhã andamos ao longo do Rio Tâmisa até a London Brigde, uma das pontes mais bonitas e famosas do rio. Perto dali havia uma instalação com milhares de tulipas de cerâmica em comemoração aos 100 anos da Torre de Londres. A imagem era linda e impressionava a todos os visitantes.
Um dia fomos até à Estação Saint Pancras encontrar um casal nosso conhecido da internet e passamos o dia com eles nos mostrando a cidade e tentando entender-nos, pois eles só falavam inglês ou pouquíssimas palavras em espanhol.
Outro dia aproveitamos para passear em Candem Town e erramos a direção da volta, porque não estávamos acostumados à mão contrária do trânsito, acabamos indo em direção ao final da linha do bairro e tivemos que voltar. Mas tudo era aventura.
Não houve tempo para conhecer Abbey Road e fazer a foto tradicional do disco dos Beatles, nem foi possível andar pelo Hide Park num dia de sol e tampouco tomar um café ou comprar artesanato em Covent Garden.
Numa das saídas do hotel pela manhã, já alojados em nosso quarto original no segundo ou terceiro andar—não me recordo— tomamos o elevador junto com outras duas pessoas. Os dois devem ter percebido nosso acento quando perguntamo-nos algo e a moça quis saber de que parte éramos da Espanha— de Galícia, dissemos— ela também era. O rapaz deduziu que eu era brasileira, confirmei e ele disse que era de Santos, São Paulo. Todos rimos, porque era inusitada a situação. Alguns segundos de viagem num elevador foram suficientes para se reconhecerem dois galegos e dois brasileiros no meio de uma das cidades mais cosmopolitas do mundo. A linguagem e nossa capacidade de comunicação é algo maravilhoso.
Em Candem Town também encontramos com grupos de brasileiros, porém naquela época isso não configurava casualidade. Em anos anteriores e mais alguns dois ou três posteriores àquele 2014, os brasileiros viajaram muito e era normal encontrar grandes grupos, famílias ou casais em lugares turísticos pela Europa. Em praticamente todos os lugares que visitei sempre me chamava atenção o quanto ouvia pessoas falando em português do Brasil.
Infelizmente, em 2018 muitos destes brasileiros preferiram sabotar-se e ajudar a conduzir o país para essa vergonhosa situação em que hoje se encontra. Agora com a Inglaterra fora da União Européia, o real sendo uma das moedas mais desvalorizadas do mundo, a libra custando quase 7 reais, esse passeio a Londres está restrito somente à brasileiros muito ricos. E só depois de passar a pandemia, porque muitos países estão com as fronteiras fechadas para viajantes brasileiros.
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