Janela dos aposentos de Maria Antonieta, Palácio de Versalhes Arquivo Pessoal |
Foi em 2006 meu primeiro contato com a personagem Maria Antonieta, a rainha consorte da França através do filme de mesmo nome estrelado pela atriz Kristen Durst. Última rainha da França, condenada à morte por decapitação aos 37 anos em 1793— seu marido Luis XVI obteve a mesma pena. Suas prisões, julgamentos sumários e assassinatos representam um dos capítulos mais importantes da história da humanidade, a Revolução Francesa.
Maria Antonieta, na biografia escrita por Stefan Zweig, é retratada à princípio como uma menina assustada, de poucas letras, apegada à família, obediente e consciente de seus deveres protocolares. Sua mãe Maria Teresa da Áustria ao ficar viúva precisou engendrar vários planos de manutenção de poder e territórios costurando o matrimônio político de sua filha mais nova com o príncipe consorte francês Luis, futuro Luis XVI, um jovem pouco mais velho que ela, neto de Luis XV. Antonieta foi contemporânea de Mozart e a história conta sobre um encontro deles no palácio em Viena, quando ainda eram crianças e o músico ainda pequeno já começava a dar concertos. Depois de adulta e já como rainha da França permaneceu inculta, avessa à leitura, ao estudo, despolitizada e apaixonada por festas e banquetes. Foi muito criticada pelos franceses por suas frivolidades e caráter perdulário.
Antonieta estava com 15 anos quando se despediu da Áustria, do palácio onde havia nascido e crescido, da mãe e dos familiares para nunca mais voltar. Uma suntuosa caravana da monarquia austríaca com mais de cem pessoas a deixou nos limites entre os dois impérios, próximo a Estrasburgo onde ali esperava o séquito francês também numeroso e imponente.
Nesse ato de entrega a menina teve que despir-se de toda sua vestimenta, deixar todos os pertences austríacos e vestir-se com roupas francesas, numa cerimônia que estabelecia uma renúncia total ao seu país, inclusive ao idioma alemão e declarar obediência e fidelidade à corte de seu futuro marido. Não por acaso, naquela época de casamentos puramente por interesse, Maria Antonieta seria a tia-avó da também austríaca e que se tornou a princesa brasileira Dona Leopoldina, cuja biografia desvenda um dos personagens mais marcantes da história do Brasil. Ao contrário da tia, Leopoldina foi uma mulher culta, estudiosa, uma pessoa generosa, querida pelo povo e por vezes bastante ativa politicamente na corte brasileira.
Em 2015 visitei o Palácio de Versalhes em Paris e durante a passagem por alguns das centenas de cômodos— impossível ver tudo num só dia—me pus a imaginar Antonieta vivendo ali, tendo seus filhos, num convívio nem tão difícil com o marido que era sua antítese—um homem retratado como um tanto débil, muito tímido e alienado—e com os todos os rigores e hipocrisias sociais, familiares e palacianas. Talvez fosse injusto acusar de frívola uma mulher que apenas estava tentando viver, já que não teve direito a muitas escolhas na vida.
Imaginei as extravagantes e pródigas festas da monarquia, as decisões políticas tomadas ali frente à organização social da época, o trabalho exaustivo e pouco valorizado de toda a criadagem para alimentar e manter além da família real, a nobreza francesa, seres totalmente parasitas do Estado. Não por acaso, contrastando com a miséria do povo essa vida de iniquidades, ambições, esbanjamentos e ostentações culminaram numa revolução popular, inaugurando a Idade Contemporânea em 1789.
No entanto, simpatizei com a jovem Antonieta. Viver naquele mundo fechado representava a única vida que ela conhecia— limitada por muros e jardins palacianos, dentro da rigidez da época, com muito controle de tutores, da Igreja, sobretudo por sua condição de mulher e tendo a vida particular completamente exposta ao público. Conta-se que ela foi a primeira vez numa festa no centro de Paris fugida da vigilância—junto com o marido—muitos anos depois de chegar a Versalhes.
Em sua biografia o autor conta também que o casamento só se consumou sete anos depois por inabilidade e imaturidade do jovem marido, ademais do dormitório do casal ser extremamente frequentado durante as 24 horas do dia. Antonieta sentia-se muito incomodada com estes costumes atrasados dos franceses. Era obrigada a deixar-se vestir e desvestir todos os dias por pessoas desconhecidas. Era comum que pessoas da nobreza passassem por ali pelas manhãs a saudar os reis, a lhes fazer mesuras, assim como na hora do almoço ou jantar eles também terem assistência. Aos nobres era uma verdadeira honraria assistir as refeições dos monarcas, numa demonstração de puro servilismo e adoração.
Enfim, eram dois jovens alienados do mundo real, emocionalmente imaturos, forjados por e para o absolutismo, pensando ser divindades com poderes supremos, assim como até hoje alguns reis acreditam ou hipocritamente creditam sua posição privilegiada a um caráter divino.
Certamente Antonieta jamais se perguntou de onde vinha tanta abundância de comida e riquezas que tinha ao alcance da mão ou de uma simples ordem aos criados. Talvez nunca tenha olhado através das janelas para saber em que condições eles trabalhavam às centenas nos jardins, nas cozinhas, nas lavanderias, nas cocheiras. Seguramente ela não sabia quantos exerciam submissos suas funções mal pagas, somente à custa de comida e teto e alguns até felizes e honrados de seu servilismo.
Com que espírito e percepção da situação Antonieta, o marido e dois filhos—outros dois já haviam falecido crianças—fugiram, quando o povo faminto marchou até Versalhes e invadiu o palácio alguns meses depois da Queda da Bastilha dando início à Revolução Francesa? O que sentiu tempos depois quando foram todos presos—inclusive as crianças? O mais jovem e herdeiro denominado pela monarquia Luiz XVII acabaria morrendo aos 10 anos na prisão depois do assassinato dos pais pelas péssimas condições do cárcere. A filha mais velha na época com 13 anos foi a única sobrevivente, porque foi acolhida pela família austríaca.
Maria Antonieta passou quase quatro anos na prisão antes da sentença final num julgamento marcado por misoginia, calúnias, humilhações e privação do direito de defesa. Como seu marido, foi condenada à morte pela guilhotina, método aplicado na França sugerido pelo médico J. Guillotin, que segundo ele, causava menos dor aos condenados. Teve seu martírio assistido por uma multidão na Place de la Concorde em Paris no dia 16 de outubro de 1793—alvorecer do século 19. Estava com 38 anos. Certamente é uma grande história de uma das mais importantes personalidades mundiais daquele final de século.
Aposentos de Maria Antonieta, Palácio de Versalhes Arquivo Pessoal |
A revolução francesa foi uma das maiores reviravoltas da história. Considerada o Marco que separa a idade moderna da idade contemporânea. Era o fim do que ficaria conhecido como o "Antigo Regime" em que os privilégios da nobreza estavam acima de tudo. A saga de Maria Antonieta: da realeza á guilhotina.
ResponderExcluirA revolução francesa foi uma das maiores reviravoltas da história. Considerada o Marco que separa a idade moderna da idade contemporânea. Era o fim do que ficaria conhecido como o "Antigo Regime" em que os privilégios da nobreza estavam acima de tudo. A saga de Maria Antonieta: da realeza á guilhotina.
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