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Realeza irrealista



Alguma vez você já chamou seu filho(a) ou neto(a) de príncipe ou princesa? 

Se eles nasceram no final da década de noventa ou nos dois mil, origem e apogeu da exibição social proporcionada pelas redes, certamente que sim. Essa forma de nominar crianças e jovens  popularizou com o advento das redes sociais. Meu filho nasceu em 1981 e nunca meus pais, meus amigos e amigas que tiveram filhos na mesma época chamaram os seus assim— os netos, talvez. Hoje as crianças são fotografadas mal saem da barriga da mãe e já ganham seu título de nobreza. 

Segundo o dicionário Caldas Aulete, príncipe/princesa significa filho de reis, membro de família reinante, alguém que governa um principado e no sentido figurado, alguém que é o primeiro em mérito e talento ou pessoa que está sempre bem vestida, que é gentil e educada. Ainda, que é o primeiro ou principal, que está em primeiro lugar.

Obviamente, o adjetivo ou o pronome de tratamento não cabem no Brasil que é uma República há mais de cem anos. Pelo mundo restam poucas monarquias—a maioria tenta manter muita discrição— e o rechaço por esse tipo de regime só tende a crescer. O problema está— claro —no sentido figurado da palavra. O problema é reconhecer como estão se comportando ou se comportarão esses príncipes e princesas na vida adulta. Alguns, ao que tudo indica— embora sempre bem vestidos— passam longe de gentis e educados. 

À primeira vista a crítica pode parecer exagerada para algo aparentemente singelo, como decorar o quarto das crianças com adornos pomposos ou enfeitá-las com coroas e capinhas de pele. No entanto,  é preciso estar atento à educação que esses pequenos nobres estão recebendo. Alguns podem carregar para a vida uma percepção de família e de mundo equivocadas, quando tratados por um adjetivo que os distingue dos demais, pelo dinheiro que suas famílias possuem ou por características inerentes de distinção social que acreditam ser dotados. 

Exemplifico. Muitas pessoas acreditam que brancos são melhores que negros, que os ricos são melhores que os pobres, médicos pensam que são melhores que o restante de todas as profissões de saúde, alguns empresários pensam que são melhores que seus funcionários, cristãos acreditam que são melhores que todos os que professam outras religiões, ocidentais  que são melhores que orientais, alguns homens— incrivelmente— ainda pensam que são melhores que as mulheres, etc. 

Vejo um modo tirânico de ver a vida e uma permissividade quase patológica em alguns jovens e adultos que talvez passe despercebida pelas famílias e pela sociedade. Há uma supervalorização de egos aliado a essas percepções discriminatórias, à banalização das desigualdades sociais e a intolerância com a diversidade que faz com que não avancemos nesse terceiro milênio.

Nos últimos tempos temos tido exemplos realmente aterrorizantes de jovens e adultos, brasileiros de classe média e alta que apenas se vêm nesse mundo de individualidades, egocentrismos  e aparências. Ao que parece, recusam enxergar que o mundo não é só deles, que existem os outros e outras realidades fora de seus condomínios e dos centros comerciais.

Comecemos pelas atitudes na pandemia. Já foram muitas as histórias de negação ao isolamento social, recusa a usar máscaras e a adotar medidas de proteção nos locais públicos ou de respeitar o horário de fechamento de bares e restaurantes. Presenciamos muitas reações arrogantes desses nobres jovens e adultos proclamando a sua liberdade em detrimento da saúde de todos. 

Por conta de irresponsabilidade promoveram festas clandestinas e já provocaram a segunda onda da pandemia em diversos países. Muitos deles saíram às ruas, contrariando a ciência— mesmo estudados e diplomados—reagindo aos governos, cuja obrigação de conter a propagação do vírus e proteger a população lhes custa entender. Esses príncipes e princesas podem ter sido criados tão superprotegidos que acreditam estar imunes a tudo— inclusive às leis e às regras de boa convivência.

Muitos estão acostumados a dar carteiradas identificando-se como médicos, engenheiros, advogados, amigos de autoridades e ostentando sobrenomes, exigindo o cumprimento de seus desejos que, segundo o antropólogo Roberto Damata, no livro Carnaval, Malandros e Heróis é sintoma de uma cultura que tem aversão ao igualitarismo.

Outros adotam comportamentos em público sem atentar que as mínimas regras de convivência lhes impõem limites e diferenciam atitudes privadas de públicas por uma questão de respeito ao outro. Por exemplo, em alguns países o ato de arrancar flores de um jardim é atitude muito reprovável, assim como beijar em público em países islâmicos. Cometer esse tipo de atitude nesses lugares em nome de nossa liberdade é ignorar e desrespeitar pessoas e culturas. 

Trata-se de algo simples de entender para quem enxerga os outros além de sua individualidade, mas para a nossa nobreza brasileira arcaica e inculta resulta bem difícil. Segundo a jornalista Mariliz Pereira Jorge do canal My News esse tipo de  comportamento típico de Balneário Camboriú dos anos 90 é cafona e ultrapassado. Ela deve estar com a razão em relação ao balneário, porém cafona e ultrapassado são adjetivos bastante generosos para designar certas atitudes.

Fale com seu príncipe ou sua princesa sobre isso, enquanto ainda há tempo para que se tornem homens e mulheres de verdade.







 

Comentários

  1. Tenho dois filhos ( um casal) que também nasceram na década de oitenta, e por sorte, não foram chamados de príncipes, nem princesas. Não tinha me dado conta que esses estereótipos já vem lá da década de noventa.
    Há Uns meses atrás postei uma foto do meu neto na rede social e uma conhecida o chamou de “ príncipe”. Não respondi pra não gerar constrangimento porque a intenção dela foi elogiar, agradar, enfim...
    Mas não dá pra deixar passar esse “princesamento”. Por isso a chamei inbox e disse que devemos tomar cuidado porque É ASSIM QUE SE CRIAM MENINOS E MENINAS MACHISTAS.
    Tanto é que “princesa” geralmente é associado á “fragilidade, delicadeza, fofura” e príncipe seria aquela criança especial que não deve ser contrariada.
    A mesma sociedade que diz que uma menina deve ser delicada como uma princesa é a que diz que as mães devem tratar a cria do sexo masculino com alguma reverência. Como se as mães devessem servir a seus filhos homens e poupá-los das funções domésticas.
    AS PALAVRAS TEM PODER,SIM.
    Menino não é príncipe e menina não é princesa. E essas alcunhas “carinhosas” devem ser evitadas para que não tenham percepções de famílias equivocadas. Por que as palavras tem muito poder.

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