Combarro, Galícia Foto: Arquivo pessoal |
Fazia mais ou menos
três meses que eu não tinha o prazer de dormir sete horas seguidas. Foi desde
que J. voltou do hospital, não para convalescer, mas pela simples e dura razão
que o setor de Oncologia informou que não poderia fazer mais nada por ele.
Estive ocupada esse tempo atendendo suas demandas, tentando confortar e aliviar
suas dores e uma multiplicidade de sintomas que um paciente com câncer pode
acumular.
A minha dor física começou
justamente aí, quando os médicos oncologistas o abandonaram depois de três anos
de tratamento e minha dor psicológica já estava há muito instalada. Comecei,
então a me encher de cansaços, de ansiedade, de dores por todo corpo. Tinha
dificuldade até para levantar da cama de manhã, os músculos pareciam
enrijecidos, doía para me vestir, para esticar as pernas e até para pentear os
cabelos. Fui atrás de ajuda médica, porque os dias estavam tornando-se
insuportáveis e empilhando mais um doente dentro de casa. Com dois eu não
podia.
Minhas dores, as quais
eu atribuía de origem emocional, se converteram num diagnóstico comprovado por
testes de laboratório chamado de polimialgia reumática. O médico
prescreveu um tratamento com prednisona durante três meses e disse: Tranquila, vás
a te poner bien. Ele tinha razão, eu já estava bastante aliviada em
cinco dias de tratamento.
Agora sozinha em casa
e tendo só a mim para cuidar, nesta manhã de domingo me sinto quase feliz.
Ontem adormeci muito rápido com a ajuda de um fitoterápico, de um comprimidinho
tarja preta, lendo um romance bobo de Danielle Steel e com o barulho de uma
chuva forte que caía. Dormi horas seguidas e repus boa dose de energia. Ao me
levantar, precisei logo de um café, porque depois de tomar a prednisona fica um
gosto forte na garganta.
As malas estão prontas
e há um checklist curto ao lado do computador: comparecer
amanhã ao laboratório para o teste PCR exigido pela companhia aérea, preencher
um formulário de saúde para o governo brasileiro e fazer uma recarga em meu
celular do Brasil. Liguei a televisão da sala e levei o controle até um canal
de rádio como sempre fazia quando J. estava saudável, trabalhando e só chegava
às três da tarde. Na Melodia FM tocava Phil Collins, seu Easy
Lover como num dia tranquilo, porém disfarçado de cotidiano. Tentei
abstrair, porque definitivamente os tempos não estão normais.
Assim como é provável
que J. não volte mais para casa, eu não sei se volto a esse lugar e a esse país
que me concedeu uma outra nacionalidade. Aqui nesse apartamento tive a sorte de
viver tendo uma das vistas mais lindas do litoral da Galícia, acordando todas
as manhãs com o barulho de barcos e de gaivotas. Aqui vivi durante mais de
cinco anos plenos de felicidade, amor e crescimento pessoal. Porém, ficarão
sentimentos contraditórios, de dor e alegria, incredulidade e aceitação,
inquietação e paz.
De agora em diante,
uma pergunta seguirá comigo para sempre ou até que eu seja digna de uma
resposta. Por quê?
17 de outubro de 2021
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