A ciência já descobriu ao longo dos
séculos a cura para as mais
diversas enfermidades que afetam os seres humanos. Algumas até já foram erradicadas, outras não atingem mais a
ninguém. Outras doenças mais simples, curáveis ou algumas doenças crônicas ainda persistem pelas desigualdades sociais e econômicas entre regiões, países e
continentes, como a desnutrição e a falta de segurança alimentar, ou por
hábitos nocivos à saúde e estilos de vida ou ainda pelo stress nosso de cada dia. E
aqui cabe citar a ansiedade e a depressão como males do século que estão muito bem
medicalizados, digo por ironia, assim como o diabetes e as doenças do coração. Existem também uma infinidade de enfermidades
raras e congênitas por desordens genéticas ou hereditárias cuja ciência também se ocupa com
zelo e muitas têm tratamento eficaz que, se não cura, prolonga a vida das pessoas com qualidade. Outras
nem tanto.
A medicina baseada em evidências, a
farmacologia, a bioquímica, a biotecnologia e os exames de imagem evoluíram num ritmo acelerado.
Porém, na contramão da história, há que lembrar que algumas doenças infecciosas, as chamadas doenças da infância vêm ressurgindo por conta dos movimentos antivacina impulsionados pelo
negacionismo e pelos negacionistas da ciência que, antes tímidos, se revelaram
sem pudor, sem constrangimentos e com o mais vergonhoso orgulho em 2021, justamente em
meio à pandemia da Covid-19 que está ainda longe de acabar.
Todavia o câncer, que pode acometer qualquer ser humano, há séculos vem abreviando vidas de todas as idades, de todas as cores e pelo mundo afora. Esta praga parece desafiar a ciência e o sonho humano da imortalidade ou da longevidade saudável. É uma doença complexa, subjetiva, grave e peculiar a cada indivíduo. Com altos índices de mortalidade, dependendo da localização primária, segue cercada de enigmas. O diagnóstico de um tumor maligno em qualquer parte do corpo trás de súbito uma sentença de morte certa e iminente não fosse a capacidade do ser humano agarrar-se fortemente à vida e acreditar que todo o sofrimento do tratamento— duríssimo em sua maioria—pode dar certo. Talvez a esperança seja a mola que estica a vida, mas muitas vezes essa vida já perdeu a qualidade, suprimindo um ou mais dos sentidos humanos por conta do próprio tratamento. Em outras o sofrimento é tamanho que a pessoa afetada se dispõe a participar de ensaios clínicos e clama por medicamentos que ainda nem foram testados em seres humanos tamanha é sua vontade de viver.
Há tempos venho me acumulando de perguntas e obtendo pouquíssimas e vagas respostas depois de conviver três anos testemunhando o desenrolar da doença, do tratamento, da vacilação e das informações desencontradas da equipe médica e, por fim do falecimento de meu companheiro. Depois de quase três anos desde o diagnóstico, ele foi abandonado pela Oncologia pela mais absoluta falta de protocolos clínicos que pudessem ser utilizados, passando então para Cuidados Paliativos. Em suma, não havia mais possibilidade de cura.
E as perguntas se avolumaram ainda mais. De onde vem, por quê e quando começa a desenvolver-se um tumor maligno? Por que as drogas usadas ainda não são capazes de curar todos os tipos de câncer, somente abreviam a morte ou dão relativa sobrevida? Mais recentemente, lendo o livro O imperador de todos os males, uma biografia do câncer do médico indo-americano Siddartha Mukherjee do qual separei algumas notas, me municiei de algumas pequenas pistas que podem trazer algumas respostas, porém nada alentadoras para os futuros doentes e seus familiares.
"A linguagem do câncer é
gramatical, metódica e até mesmo— hesito em escrever isto—bonita. Genes falam
com genes e trajetórias com trajetórias, no tom de voz perfeito, produzindo uma
música conhecida, embora estranha, que se acelera cada vez mais para formar um
ritmo letal."
Aqui entendo que as células
cancerígenas parecem perseguir uma perfeição maior que a natureza, como que
esse defeito oncológico quisesse competir com a biologia molecular e citológica
dos organismos saudáveis e travasse uma luta por um espaço naquele corpo
humano.
"A maioria das células normais,
mesmo as que crescem rapidamente, prolifera ao longo de várias gerações e
exaure sua capacidade de continuar dividindo-se. O que permite que uma célula
cancerosa continue se dividindo interminavelmente sem exaurir, sem esgotar,
geração após geração?"(celular)
Essa é uma pergunta que os cientistas ainda não sabem responder. Aparentemente as células cancerosas buscam uma sobrevida numa velocidade maior que as normais tentando permanecer, sobrepujar-se, tomar conta daquele organismo. No entanto, essa é uma decisão, a meu ver, pouco inteligente, porque elas levarão aquele corpo à falência e junto com ele sucumbirão as mesmas células anormais que correram em sua busca vital. Salvo estejam em busca de uma mutação que lhes resista, mas que ao final podem transformar a espécie humana numa aberração fisiológica e/ou anatômica.
"...no câncer, onde não há cura simples, universal ou
definitiva à vista— e é improvável que algum dia haja—o passado conversa
constantemente com o futuro."
Muito ouve-se falar que não interessa economicamente à indústria a cura do câncer. As empresas farmacêuticas giram milhões e milhões de dólares com as doenças crônicas, com os tratamentos paliativos e o uso de drogas quimioterápicas, mas não creio que o entrave da cura do câncer seja este. Quando o vírus da AIDS assolou os Estados Unidos na década de 80, a comunidade gay e suas famílias—os primeiros afetados pela doença— impuseram fortemente aos governos o financiamento para a pesquisa daquele vírus desconhecido, de uma vacina ou de um medicamento. Em pouco menos de dez anos—muito tempo, na realidade— embora não haja ainda uma vacina, os pacientes começaram a receber o coquetel com os antirretrovirais e eles passaram a conviver saudavelmente com o vírus e a contaminação diminuiu drasticamente com as medidas educativas de sexo seguro etc. Desde o começo do século XX e final do XIX o apelo da classe científica, dos doentes e suas famílias foi igualmente forte em busca de vontade política para a pesquisa e financiamento para o tratamento do câncer. O livro conta a saga de verdadeiros mecenas leigos, cientistas e lobistas políticos que dedicaram uma vida em busca de tratamentos e medicamentos. Uns inclusive morreram de câncer como o caso emblemático de Marie Curie em 1934 expondo-se exageradamente à radiação em seus estudos da radioatividade.
Quem vem vencendo batalhas e mais batalhas é a doença, por vezes escamoteando-se em frágeis triunfos comemorados pelos doentes, mas voltando a recidivar potentemente tempos depois, aniquilando vidas, abreviando sonhos e afligindo famílias inteiras. Não raro quando morre alguém famoso o título da matéria é sempre "lutava contra um câncer desde.." Infelizmente, uma luta inglória. Obviamente o assunto não se esgota aqui e concluo, por ora, que a morte não é uma antivida. A antivida é o câncer.
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