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Eu sei que já faço parte da fila dos prioritários, mas ainda não sou capaz de assumir e usar de maneira determinada e confortável essa vantagem ou privilégio. Apenas uma vez, quando viajava de volta ao Brasil, estava numa sala de embarque lotada fui para a fila das prioridades, porque uma moça praticamente me obrigou. Gentilmente ela foi me empurrando para a frente e me dizendo:— Passe, senhora... Já estão chamando os prioritários.
Foi quando me dei conta que eu já tinha aparência de prioridade. Fui, então uma das primeiras pessoas a entrar naquele avião, junto de adultos com crianças pequenas, atrás de um casal de velhinhos e de duas senhoras com o cabelo todo grisalho, os quatro claramente uns quinze anos mais velhos do que eu. E claro, entramos depois dos passageiros da primeira classe, dos bilhetes gold, diamante, classe executiva e do diabo a quatro que serve para diferenciar a nós, os pobres, mas igualmente mortais da classe econômica. Mesmo assim ainda, hesitante, perguntei à funcionária, enquanto ela verificava meu passaporte, a partir de que idade era considerado embarque prioritário, se aos 60 ou 65 anos. Eu queria mostrar àquela moça que eu não era o que ela pensava que eu era. Mas eu era. A partir dos 60, somos considerados idosos no Brasil e no mundo.
Não sei qual a palavra ou expressão que acho mais abominável para essa faixa etária se idoso, terceira idade ou melhor idade— este último é pura enganação. Alguém me prove que, pelo menos biologicamente, é melhor ter 60 anos ao invés de 40 ou 30, por favor. Particularmente eu preferiria o espírito e conhecimento que tenho hoje, porém com uma idade cronológica menor de 55 anos.
Há tempos percebo que as políticas públicas focadas nessa faixa da população induzem ou estimulam os mais jovens a tratar os mais maduros como crianças e até de certa forma como idiotas. Quem nunca escutou uma enfermeira ou um atendente querendo ser gentil e acolhedor, porém usando diminutivos como vovó e vovô para dirigir-se aos mais velhos nos estabelecimentos de saúde? Os mesmos vovós e vovôs, em contrapartida, estão cada vez mais obrigados a saber usar a tecnologia dos bancos e dos celulares, correndo o risco de exclusão do mundo tecnológico totalmente com os jovens no poder.
Dentro das famílias é a mesma tendência, havendo ainda uma predisposição de inversão de papéis quando muitas vezes os filhos assumem autoridade sobre os pais. Claro que aqui há que ter em conta o nível de independência de uma pessoa saudável que não é o mesmo tendo 60 ou 90 anos. As limitações vão chegando lentamente mesmo não aparecendo problemas de saúde mais graves. Há que ter muita sensibilidade ao tratar deste tema, porque corpo e mente não seguem o mesmo raciocínio em nenhuma idade. Há jovens velhos, há velhos jovens. Também há pessoas sem idade como Yoko Ono, mesma idade de minha mãe, elas completam 89 anos este ano e a Rainha da Inglaterra que nasceu no mesmo ano que meu pai, ambos prestes a completar 96. Para mim essas quatro pessoas não têm idade. O espírito não tem idade e só quem não se permite ou não lhe é permitido, não se encanta com a vida em tempo nenhum.
Ciente da situação ainda assim hesito ou rejeito a ideia de assumir a idade por conta de meu próprio etarismo, que no meu caso não é discriminação com as pessoas mais velhas e, sim uma dificuldade para lidar com os estereótipos em torno da subjetividade da velhice que prefiro chamar de maturidade. O próprio termo velhice é cercado de ideias preconcebidas que ouvimos durante toda a vida, quando até pouco tempo pessoas a partir dos 45 ou 50 anos já eram consideradas ou se consideravam velhas. Esse adjetivo é, sem sombra de dúvida o mais cruel usado principalmente contra as mulheres. Há muita complacência e aceitação social quando um homem maduro se relaciona com mulheres jovens ou ocupa cargos importantes o que não acontece com as mulheres. Além disso o termo velho em si já trás a ideia de ultrapassado, usado, sem serventia, acabado, antigo, etc. Percebi que na língua espanhola há mais simpatia em relação ao termo, pois usam a palavra mayor ou muy mayor ao invés de viejo, embora o culto à juventude e à beleza segue muito forte lá e aqui, ao menos entre os ocidentais.
Somos preparados para crescer até o ápice da curva da idade adulta mas não somos preparados para viver a curva descendente, a curva do desgaste físico natural. Ao menos às mulheres não é permitido madurar com liberdade e excelência sem reduzi-las ao papel de mães, avós, tias e sogras, de preferência assexuadas. O senso comum continua padronizando atividades para o usufruto da terceira idade, termo igualmente horroroso. Pois eu rejeito veementemente os bingos, as excursões subsidiadas e os bailes nas matinés. Posso estar equivocada, mas só consigo ver solidão estampada nos rostos dos senhores que se entretêm com jogos de tabuleiro nas praças e nas senhoras apegadas à beatices ou a seus bichos de estimação. Eles não se permitem muito mais que isso, porque a sociedade não lhes permite.
Bem, mesmo que as pessoas continuem me empurrando para a fila dos prioritários, ainda assim eu não abro mão de viajar até quando puder subir num avião ou em qualquer meio de transporte. Além do café quero ainda poder desfrutar de uma boa xícara de chá que para a grande maioria dos brasileiros— bebedores de álcool— é um estranho costume de mulheres velhas. Essa cisma só existe no Brasil, porque lá fora vi muitos homens de todas as idades tomando chá, onde sabidamente em alguns países faz parte da cultura como na Inglaterra e em grande parte do oriente. Também me empenho em entender e usar a tecnologia para não me deixar ser engolida, ao menos até onde eu for capaz física e intelectualmente.
Refletindo sobre tudo isso me dei conta que sempre tive hábitos de uma senhora. Sempre gostei de conforto, sossego e silêncio. Minha mãe muitas vezes me chamava de comodista e eu pensava que era no sentido de preguiçosa. O fato é que nunca fui de boemias, meu organismo não se dá bem com o álcool e agora mais que nunca prefiro as noites e os dias para ler, estudar, recordar e fazer planos. Acabei de fazer 64 e certamente sinto mais cansaço, estou mais lenta, tenho que tomar alguns medicamentos, já me tornei na prática uma viúva—outro termo horrível, amplamente estereotipado— mas ainda não perdi a vontade de experimentar e mudar, pois minha zona de conforto continua bastante ampla.
Enfim, seguirei a vida, espero que com energia, pintando os cabelos, viajando, estudando, escrevendo e entreolhando igualmente para os mais velhos e para os mais novos, tirando lições dos dois lados. Um dia todos aprenderemos—e eu, principalmente— que é muito melhor adquirir idade cronológica, se possível com saúde, do que morrer cedo ou deixar-se morrer em vida. O último seguramente não é meu caso.
Gostei..
ResponderExcluire comigo também aconteceu a mesma coisa com relação ao avião...o moço me chamou antes dos outros...kkk...Idosa!...
Uffa! Até pouco tempo atrás, não me deixava afetar pelo peso da idade cronológica que ia chegando...hoje, sou mais uma" idosa", sentindo-me um pouco deslocada...querendo de alguma forma, que os resquícios da juventude se perpetuem...mesmo que seja através de lembranças...
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