Pular para o conteúdo principal

Sinais Fechados




Certo dia ouvi dizer que não há necessidade de encontrar com as pessoas, porque já estamos informados de tudo pelas redes sociais. No momento até concordei, mas depois me pus a pensar. E os abraços? E as conversas? E o "quanto tempo", "eu vou bem", "eu vou indo"? como na música "Sinal Fechado" de Chico Buarque.

No entanto, a rede social é o topo do iceberg na vida de todos. O que acontece na realidade não está ali(aqui). Dores, tristezas, dificuldades, doenças, fracassos, enfim a vida real está invisível assim como se mantém invisíveis milhares de pessoas que apenas seguem perfis e vice-versa e não compartilham nada. A invisibilidade é outro ponto que venho tratar aqui. 

Curiosamente, acho que há uma conexão entre os invisíveis que, por falta de tempo, de vontade ou por falta de manejo com a tecnologia etc. sejam os mesmos que se esquivam dos encontros.  Eles se distraem com a exposição alheia, mas nunca se expõem. Saber se fulano parece bem já é suficiente. Se ele está ativo nas redes sociais parece estar vivo, ainda que só pareça.  

Outro comportamento interessante é em relação às ligações telefônicas. No passado, podíamos fazer ligações livremente sem pedir licença, mas hoje já ouvi pessoas dizerem que não atendem telefone. Agora parece ser mais correto pedir permissão por mensagem de texto. Impossível prever quando virá a resposta. São mudanças comportamentais que se estabeleceram. Eu, particularmente não sou capaz de manter familiares no modo silencioso e nunca desligo o celular. Talvez por ter vivido um tempo fora do país, isso me deu um sentido de estar sempre alerta. E a recíproca não é verdadeira, pois quem fica não sente a mesma falta dos que vão embora. O que vai para longe precisa da conexão para continuar pertencendo.

De qualquer maneira, eu respeito a maneira de ser de cada um. Só observo e escrevo, e obter visibilidade no ato de escrever através da rede social é uma ferramenta que gosto de usar, mesmo que para provocar debates, causar incômodos e receber críticas.

Não nego que rede social é um lugar recheado de positividade tóxica, felicidade obrigatória e de aparências feitas com filtros e IA para ganhar likes, encantar amigos, seguidores, consumidores, etc. E esses ambientes nem fariam sentido se não houvesse gente disposta a se expor, mostrar sua vida, suas habilidades, etc.  Não espero que os invisíveis nos deem o privilégio de vê-los no mundo virtual, creio que nunca nos brindarão com algum conteúdo. Mas sei que seguirão ali, afinal a curiosidade é bem maior que o bem-querer, se me permitem a constatação.

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Morro do Caracol

Foto: Rua Cabral, Barão de Ubá ao fundo e o Mato da Vitória à esquerda Arquivo Pessoal O povoamento de uma pequeníssima área do bairro Bela Vista em Porto Alegre, mais especificamente nas ruas Barão de Ubá que vai desde a rua Passo da Pátria até a Carlos Trein Filho e a rua Cabral, que começa na Ramiro Barcelos e termina na Barão de Ubá, está historicamente relacionado com a vinda de algumas famílias oriundas do município de Formigueiro, região central do Estado do Rio Grande do Sul.  O início dessa migração, provavelmente, ocorreu no final da década de 40, início dos anos 50, quando o bairro ainda não havia sido desmembrado de Petrópolis e aquele pequeno território era chamado popularmente Morro do Caracol. Talvez tenha sido alcunhado por esses mesmos migrantes ao depararem-se com aquele tipo de terreno. Quem vai saber! O conceito em Wikipedia de que o bairro Bela Vista é uma zona nobre da cidade, expressão usada para lugares onde vivem pessoas de alto poder aquisitivo, pode ser ...

O Caderno, escritos do amanhecer

Queria escrever no teu caderno. Naquele que resgatei, antes de ser largado no lixo. Fiz isso talvez, digo talvez, por uma súbita intuição de desfecho. Queria ler e juntar teus pensamentos com os meus, misturando as letras e os manuscritos. Queria poder juntar nossas inspirações, talvez criar um romance, um conto, uma narrativa breve que seja, mesmo que tenhamos estilos diferentes e tua criatividade vá muito além da linguagem e do meu amadorismo. Queria misturar nossos traços, rascunhos,  já quase ilegíveis, formados numa infância onde se fazia caligrafia— isso já faz tanto tempo!—até produzir um texto ao menos coerente e coeso como mandam as leis da escrita. Ou não, pois ainda busco a licença poética dos artistas, que têm liberdade com as palavras, ao contrário das palavras ditas que podem ser a nossa desgraça. Eu precisava do caderno, não para descobrir teus segredos, mas para ter o privilégio de escrever de meu punho, junto ao teu, naquelas folhas amarradas em espiral com uma cap...

2025

  Foto: Pinterest Essa noite eu tive um sonho. 2025 tinha desistido de sua estreia e era 2008 de novo. Não entendi o porquê de voltar 17 anos atrás. Terá sido 2008 um ano cabalístico, com um significado oculto? Ou só um número aleatório? Foi bom ver algumas pessoas conhecidas bem mais jovens, saudáveis, outras vivas e alegres. Eu não me vi, pois protagonizava aquele delírio noturno, mas sentia que os 17 anos tinham passado em meu espírito, alojados à força, a despeito da rebeldia do 2025. A humanidade se curva ao tempo, mas no meu sonho pela primeira vez o tempo se curvou à humanidade. Posso até imaginar, o clichê Bebê 2025 espiando o Senhor 2024 antes da meia-noite e vacilando se nascia ou não. Bem, anos não nascem como bebês, são imateriais, mas este talvez tivesse certa racionalidade humana(?), certo sentido de prudência, sensatez e clarividência. É isso, clarividência. A despeito dos melhores augúrios para 2025, ele próprio não estava convencido. Os anos anteriores, principalme...