Um dia ela começou a ser
perseguida pelo desespero que durante vários momentos insistia em tomar conta
de seu humor já muito combalido. Era preciso estar atenta, pois ele vinha a
qualquer hora, assim como relatam pessoas com pânico. Talvez, similar ao pânico,
o desespero é um pouco disso, uma desesperança, uma angústia, uma dor que não
dói fisicamente, é uma dor do espírito.
Era o desespero do tempo
passando, das lembranças, das perdas, das confusões, dos erros, das vidas
deixadas para trás, dos amores perdidos, da solidão, das casas vazias, dos
objetos espalhados e esquecidos nos cantos. Ela precisava fugir da desesperança
e tentava reinventar tudo a sua volta.
Na casa nova—já tinha parado de
contar quantas— objetos significantes foram reunidos, não importava se fossem
trastes velhos. Havia novos também para contrabalançar. Precisava ter por perto
coisas que faziam parte de tempos que pareciam indefinidamente felizes. Ela
nada sabia sobre a impermanência de tudo e todos. Nada sabia sobre a morte que
veio de roldão, rasgando as páginas de seus projetos de vida. Quem parte deixa
uma desordem, isso é um fato, e ela que ficou viva, não sabia o que fazer para pôr
tudo em ordem de novo. Era preciso acostumar-se com a desordem como seu novo
normal.
Agora ela teme os projetos
longos, porque aprendeu que de hora em hora, Deus não melhora, como diz o dito
popular. Tudo muda, se por interferência divina, não sabia. Agora ela entendia
até de sua própria impermanência. Por isso somente vai lutando contra o
desespero dia após dia, pois desesperar não resolve nada, mesmo porque uma
parte dela já tinha ido, lutava então pela parte que ficou.
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