Quando calamidades coletivas acontecem como foi na pandemia de Covid-19 e agora na devastação provocada pelas enchentes do Rio Grande do Sul, nos primeiros dias eu travo, fico bloqueada pelo impacto e pelo temor de que possa vir algo ainda maior e pior, pois o evento está em andamento. Imagens chocantes chegam de todos os lados, os fatos vão se desencadeando, como dominós caindo—no caso casas, estradas, pontes, pessoas, animais, plantações. O medo e a angústia tomam conta. Ouvir o barulho da chuva durante a noite já não é reconfortante, é gatilho de terror. Me recuso a ler comentários de rede social, só busco informação em canais oficiais de jornalismo. Sou leiga no assunto, por isso nessas horas não leio achismos, maledicências, calúnias, discursos de ódio e principalmente não quero saber que fake news andam espalhando. Eu travo mesmo, não consigo organizar as ideias para escrever alguma coisa sobre ou simplesmente desmentir absurdos. Os mal-intencionados não deixarão de ser mal-intencionados. Devem, sim ser responsabilizados por seus atos.
Hoje com a volta do sol, sim, é claro que o sol sempre volta, só o que eu posso avistar é um longo período de ação e reflexão que se avizinha, aos menos entre os mais ajuizados e sensatos. Sim, acho que eles existem. E entre eles estão os voluntários, os cientistas e os funcionários públicos que estão na linha de frente, salvando vidas, tentando reduzir danos e já estudando formas para que eventos dessa gravidade não aconteçam de novo. Porém, há relatos de pessoas que já passaram por inúmeras situações semelhantes— há que lembrar dois eventos significativos na Serra Gaúcha ocorridos há menos de um ano e outras inundações pontuais em localidades de moradia de populações vulneráveis e invisíveis para o senso comum. E isso nos revela que as ações sempre foram só paliativas.
Obviamente diante do tamanho da desgraça, a solidariedade e o espírito de caridade despertam a população, e são muito importantes, pois há necessidades básicas a serem supridas. Mas tudo isso a longo prazo acaba diluindo, porque essas ações não mudam a vida das pessoas, logo ali pode vir tudo de novo, e arrasa com tudo, de novo. Como veio para a região do Vale do Rio Taquari.
A água é democrática e pelo princípio físico dos vasos comunicantes atingiu lugares nunca antes atingidos. Varreu áreas enormes. Os desaparecidos vão começar a aparecer sob a forma de corpos quando a água baixar. Porto Alegre e região me parece que poderá virar um grande campo de refugiados. Sim, é um achismo, mas não consigo enxergar algo mais do que lonas espalhadas em alguma zona seca, similar às zonas de guerra, quando as águas baixarem e as pessoas não poderão ou serão impedidas de voltar às suas casas—as que estiverem em pé— e obviamente lugares classificados agora, inegavelmente, como áreas de risco.
Espero que a ambição e a arrogância de parte do povo gaúcho— nem todos são anjos protetores nessa hora— sejam reconhecidas como partes do problema. Muitos são responsáveis pelo não cumprimento de normas, regras, resoluções ambientais, etc. A negligência parece que está no DNA de nós sul-americanos, quando a máxima tão difundida no tempo das colônias hispano-americanas "Se acata, pero no se cumple" campeia não só no Rio Grande do Sul, mas pelo Brasil afora. É só lembrar de Brumadinho, do acidente radiológico com Césio 137 em Goiânia, das enchentes nas serras carioca e paulista, do rompimento da Barragem de Mariana, etc. com as devidas diferenças entre as características de cada evento.
Espero que tudo isso ao menos sirva de lição, mas à custa de muito sofrimento e desolação, como sempre.
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