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2025

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O Caderno, escritos do amanhecer

Queria escrever no teu caderno. Naquele que resgatei, antes de ser largado no lixo. Fiz isso talvez, digo talvez, por uma súbita intuição de desfecho. Queria ler e juntar teus pensamentos com os meus, misturando as letras e os manuscritos. Queria poder juntar nossas inspirações, talvez criar um romance, um conto, uma narrativa breve que seja, mesmo que tenhamos estilos diferentes e tua criatividade vá muito além da linguagem e do meu amadorismo. Queria misturar nossos traços, rascunhos,  já quase ilegíveis, formados numa infância onde se fazia caligrafia— isso já faz tanto tempo!—até produzir um texto ao menos coerente e coeso como mandam as leis da escrita. Ou não, pois ainda busco a licença poética dos artistas, que têm liberdade com as palavras, ao contrário das palavras ditas que podem ser a nossa desgraça. Eu precisava do caderno, não para descobrir teus segredos, mas para ter o privilégio de escrever de meu punho, junto ao teu, naquelas folhas amarradas em espiral com uma cap...

O Morro do Caracol

Foto: Rua Cabral, Barão de Ubá ao fundo e o Mato da Vitória à esquerda Arquivo Pessoal O povoamento de uma pequeníssima área do bairro Bela Vista em Porto Alegre, mais especificamente nas ruas Barão de Ubá que vai desde a rua Passo da Pátria até a Carlos Trein Filho e a rua Cabral, que começa na Ramiro Barcelos e termina na Barão de Ubá, está historicamente relacionado com a vinda de algumas famílias oriundas do município de Formigueiro, região central do Estado do Rio Grande do Sul.  O início dessa migração, provavelmente, ocorreu no final da década de 40, início dos anos 50, quando o bairro ainda não havia sido desmembrado de Petrópolis e aquele pequeno território era chamado popularmente Morro do Caracol. Talvez tenha sido alcunhado por esses mesmos migrantes ao depararem-se com aquele tipo de terreno. Quem vai saber! O conceito em Wikipedia de que o bairro Bela Vista é uma zona nobre da cidade, expressão usada para lugares onde vivem pessoas de alto poder aquisitivo, pode ser ...

A devastação

Quando calamidades coletivas acontecem como foi na pandemia de Covid-19 e agora na devastação provocada pelas enchentes do Rio Grande do Sul, nos primeiros dias eu travo, fico bloqueada pelo impacto e pelo temor de que possa vir algo ainda maior e pior, pois o evento está em andamento. Imagens chocantes chegam de todos os lados, os fatos vão se desencadeando, como dominós caindo—no caso casas, estradas, pontes, pessoas, animais, plantações. O medo e a angústia tomam conta. Ouvir o barulho da chuva durante a noite já não é reconfortante, é gatilho de terror.  Me recuso a ler comentários de rede social, só busco informação em canais oficiais de jornalismo. Sou leiga no assunto, por isso nessas horas não leio achismos, maledicências, calúnias, discursos de ódio e principalmente não quero saber que fake news andam espalhando. Eu travo mesmo, não consigo organizar as ideias para escrever alguma coisa sobre ou simplesmente desmentir absurdos. Os mal-intencionados não deixarão de ser mal...

A lâmpada mágica

  Foto: Pinterest Em um distante povoado de algum lugar vivia um povo infeliz, mas em perfeita ordem. O governador não permitia sonhos, então eles iam dormir quando as lâmpadas das ruas se acendiam e levantavam quando elas se apagavam. Quando as lâmpadas estavam acesas não se via o céu e o povo que ali vivia nunca tinha visto o brilho das estrelas. Tudo era perfeito até que um dia uma das lâmpadas não funcionou como deveria e não acendeu. O governador logo pensou num ataque terrorista ou de opositores de seu governo. À princípio apenas poucas pessoas tiveram interesse em acercar-se até o poste apagado, e às escondidas puderam perceber um pequeno pedaço de céu estrelado e contaram aos amigos tão encantadora experiência. O governador solicitou urgente a reparação da lâmpada. Entretanto, o eletricista tentou encontrar onde estava o problema, mas como não obteve sucesso, resolveu trocar por outra lâmpada. Porém a lâmpada nova não funcionava bem, acendia e apagava quando queria a qualqu...

O desespero

Um dia ela começou a ser perseguida pelo desespero que durante vários momentos insistia em tomar conta de seu humor já muito combalido. Era preciso estar atenta, pois ele vinha a qualquer hora, assim como relatam pessoas com pânico. Talvez, similar ao pânico, o desespero é um pouco disso, uma desesperança, uma angústia, uma dor que não dói fisicamente, é uma dor do espírito.  Era o desespero do tempo passando, das lembranças, das perdas, das confusões, dos erros, das vidas deixadas para trás, dos amores perdidos, da solidão, das casas vazias, dos objetos espalhados e esquecidos nos cantos. Ela precisava fugir da desesperança e tentava reinventar tudo a sua volta. Na casa nova—já tinha parado de contar quantas— objetos significantes foram reunidos, não importava se fossem trastes velhos. Havia novos também para contrabalançar. Precisava ter por perto coisas que faziam parte de tempos que pareciam indefinidamente felizes. Ela nada sabia sobre a impermanência de tudo e todos. Nada...

Aprenda a dizer adeus

Quando um câncer terminal afetar alguém querido, por favor não faça dele um herói, será exigir muito de uma pessoa com o emocional já tão exigido. Não tente reter a vida e a presença dele para seus interesses egoístas. Ninguém imagina o sofrimento físico/psicológico que cada doente carrega. É impossível continuar vivendo com um corpo tão fragilizado. Não deixe que ele fique preso à emoções que não são dele. Você está saudável e continuará vivo. Ele, não! O caminho dele foi traçado por sabe-se lá quem ou o quê. Ânimo e pensamento positivo não curam câncer. Honre, ame, aceite o que ele já aceitou e deixe ir. Ele escolherá a hora quando estiver liberto das emoções, do medo e das esperanças vãs de todos os que o rodeiam.  Uma vez pensei que tinha me despedido, mas só agora entendendo isso, eu me despeço verdadeiramente! Aprenda a dizer adeus!  Inspirado no filme "Enquanto Vivo" (De son vivant) de Emmanuelle Bercot